Crónica deste mês no
Jornal Fórum: Chegados aqui – análise dos resultados das legislativas de 2025
As eleições legislativas de 18 de Maio marcaram um ponto de viragem na história da democracia nacional. Não apenas pela derrota do Partido Socialista, nem sequer pela vitória inequívoca da AD e consequente reforço de confiança em Luís Montenegro, mas sobretudo pela nova configuração parlamentar em que o tradicional cenário bipartidário dá a lugar a uma fragmentação que lança o país num horizonte de instabilidade e incerteza. Foram um verdadeiro terramoto político. O Parlamento que sai destas eleições é o mais fragmentado desde que há democracia, em Portugal. O eleitorado português não só alterou o mapa partidário como deixou um aviso sério às lideranças tradicionais. Estamos, efetivamente, perante uma nova era e, continua a parecer-me, que grande parte dos partidos continuam impreparados para ela.
Vamos por partes. A Aliança Democrática vence (32,10%), quer em votos, quer em mandatos (86+3, sem contar com a emigração). Todavia, ficou longe de uma maioria que lhe garantisse a estabilidade almejada para governar sem constrangimentos. Será que o não é não resiste à nova configuração parlamentar? Será que Montenegro resistirá à pressão para entendimentos à direita? Estará o Governo refém de uma oposição ruidosa? A minha aposta é que seremos, antes do final do mandato, novamente chamados às urnas por via de um previsível desgaste do elenco governativo. Veremos.
O Partido Socialista foi historicamente penalizado (23,38%). Vítima de um sismo com epicentro no Largo do Rato. Não só pela queda do governo anterior, mas sobretudo pela incapacidade notória de se apresentar como alternativa. É certo que Pedro Nuno Santos herdou um partido fatigado, mas também é verdade que não teve capacidade de entusiasmar o eleitorado. A sua demissão tornou-se inevitável. Abre-se um novo ciclo político no PS, com uma disputa pela liderança que definirá o rumo que o Partido vai escolher para voltar ao protagonismo de outrora. O facto de que previsivelmente irá perder a liderança da oposição para o Chega, é bem demonstrativo da incapacidade em definir uma estratégia acertada.
O Chega, por sua vez, passa a ser central no xadrez político nacional. É, ao dia de hoje, incontornável na aritmética parlamentar. Cresce em todas as regiões e sobretudo entre jovens e nas periferias. Mas que fatores contribuirão para este crescimento? Será que Portugal, de repente, acordou com mais de um milhão de fascistas? A resposta parece-me evidente. Não. O crescimento do Chega e a sua previsível ascensão a segunda força política nacional são fenómenos que exigem uma análise profunda, multifatorial, sociológica, política e comunicacional. Não é apenas uma votação de protesto, mas sim de uma reconfiguração profunda do eleitorado português. Vamos, novamente, por partes: O Chega obteve 22,6% dos votos, conquistando, sem a emigração, os mesmos 58 deputados que o PS, o que representa, por exemplo, um crescimento de 46 deputados face a 2022. O partido alcança bons resultados em praticamente todos os distritos, incluindo regiões que tradicionalmente votam no PS ou na CDU, como é o caso de Setúbal, Beja, ou até nas Ilhas. Isto mostra que o seu eleitorado já não é apenas maioritariamente do Sul, rural ou empobrecido, como antes muitos diziam. Começa a tornar-se um eleitorado transversal, por classe, idade e geografia.
Vamos às causas. A primeira, e mais importante, na minha perspetiva, tem a ver com o descontentamento económico e com a perceção de injustiça social. As pessoas não votam contra o sistema, votam contra o facto de o sistema já não lhes dar uma resposta adequada. Votam contra um bipartidarismo que falhou na resolução dos seus problemas do quotidiano, como o aumento do custo de vida, os salários baixos, as dificuldades enormes no que concerne à habitação, sem esquecer a degradação evidente dos serviços públicos, por exemplo. O Chega oferece uma narrativa simples, para problemas complexos. Isso é insuficiente, mas a revolta do eleitorado, o facto de muitos eleitores sentirem que trabalhar já não é suficiente para garantir estabilidade e dignidade nas suas vidas, faz com que o eleitorado pense em dar uma oportunidade àqueles que esqueceram o povo. De facto, o Chega cresce enquanto o regime falha. Se pensarmos na questão da corrupção e dos escândalos políticos, é comumente ouvido que os partidos e os políticos são todos iguais. Ventura, com um discurso contra os “do costume”, beneficia diretamente da erosão da confiança no sistema. E do ponto de vista comunicacional? Ventura tornou-se uma marca política, com uma presença fortíssima e constante nas redes sociais. Os seus vídeos acumulam milhões de visualizações em todas as redes sociais. Ele fala diretamente ao eleitor, sem filtros, com agressividade, mas também com clareza. A comunicação é direta, emocional. É, de algum modo semelhante a Trump, Bolsonaro ou Milei.
Antes de continuarmos a análise dos restantes resultados, devo apenas dizer que o impacto do Chega é, na minha perspetiva, muito maior do que aquilo que se tem dito nos diversos painéis de comentário. A sus implementação junto dos mais jovens, onde Ventura e Rita Matias são verdadeiras estrelas de Hollywood, faz antever que o partido está efetivamente a trabalhar de uma forma profunda, a longo prazo, na consolidação e captação de eleitorado.
Continuando a análise dos resultados do passado domingo, a IL (5,53%) mostrou resistência, apesar do seu parco crescimento. Havia, certamente, a expectativa de um crescimento assinalável do partido, contudo, isso não se traduziu na noite eleitoral, num aumento significativo de deputados. Mantém uma presença relevante, acrescentando 1 deputado aos 8 conquistados no ano passado. O facto de ser um partido de nicho, faz antever que dificilmente conquistarão muito mais deputados numa próxima eleição.
O Livre (4,20%), por sua vez, é o grande vencedor à esquerda. Passou de partido de nicho a força política com uma significativa expressão parlamentar (6 mandatos). Tem ganho um apoio importante junto da classe média urbana, jovens e eleitores ambientalistas, absorvendo as causas de partidos com grande proximidade ideológica. A comunicação eficaz de Rui Tavares, consolidou a imagem de seriedade com empatia, sobretudo nos círculos eleitorais com maior magnitude. Assume, na minha ótica, um papel de voz da esquerda construtiva, com esta crescente visibilidade e responsabilidade que o eleitorado lhes alocou.
A CDU e o BE perderam representação. São partidos que ativaram o modo sobrevivência (3 e 1 mandato, respetivamente). Perderam terreno em todas as frentes e são cada vez mais vistos como forças do passado, fruto de uma incapacidade de renovação interna, por parte da CDU, e falta de ligação aos temas do presente, na perspetiva do Bloco. Correm, evidentemente, risco de, por razões distintas, se tornarem irrelevantes a curto prazo.
Finalmente, nem sempre ter apenas um deputado é pouco. Quando se é o único a dizer certas coisas, é muito. Esta é a mensagem para o PAN e para o JPP são forças com agendas muito específicas mas com um eleitorado fiel, no caso do PAN, e no caso do JPP, que usufrui claramente do desenho do sistema eleitoral português.
Portugal entra agora num novo ciclo onde a estabilidade dificilmente está garantida. A fragmentação parlamentar não é apenas um problema de governabilidade mas também o espelho de uma sociedade cada vez mais polarizada. O povo falou e agora é hora de a classe política escutar. Para mim, parece-me ser a última oportunidade que os partidos tradicionais têm para se aproximar do eleitorado e resolver os seus problemas mais prementes. Caso contrário, estaremos, a breve trecho, na senda de uma mudança profunda no equilíbrio de forças dos partidos políticos em Portugal. Com estes resultados, os partidos tradicionais enfrentam um dos cenários políticos mais exigentes da sua história.
Na noite eleitoral, ninguém ganhou tudo, mas todos podem, a partir de hoje, perder muito. Estamos perante um cenário de incerteza no futuro em que cada decisão política será determinante para evitar a desconfiança, a radicalização e a ameaça constante de novas eleições. Se a política e os seus principais atores não recuperarem a sua capacidade de representar, de unir e de explicar, Portugal pode tornar-se ingovernável. É hora de respostas, de maturidade política. Estas eleições não deram nenhuma maioria, mas deram um aviso muito claro, saibamos interpretá-lo.