Opinião: António Rebordão | Os Meninos de Ontem
Pai de Três Filhos Nunca Imaginou Envelhecer num Lar de Idosos: Só no Fim se Sabe se Criou Bem os Filhos
Por Jornal Fórum
Publicado em 16/06/2025 10:55 • Atualizado 16/06/2025 16:46
Opinião

O Natal já passou, mas os sentimentos dos nossos meninos de ontem continuam vivos e insubstituíveis.  

Foram muitas as histórias tristes vividas pelos nossos idosos: uns não tiveram alegria, porque os filhos não estavam presentes; outros pura e simplesmente foram abandonados a seu belo prazer, sem que lhes chegassem qualquer doçaria ou mesmo alimento diferente, da época natalícia: Outros, mesmo, foram despejados em lares onde sabiam que os não iriam buscar no Natal. 

A história que se segue, de autor desconhecido, é bem o exemplo da sociedade em que estamos inseridos.  

O abandono e o desprezo contribuem, sobremaneira, para este estado tão natural em que temos vivido, esquecendo que todos os “meninos de ontem” merecem mais carinho, mais conforto, mais acompanhamento, mais amor, mais dedicação, porque todos eles, em princípio, foram sempre bons pais e bons chefes de família. 

O pai de três filhos nunca imaginou que encontraria a velhice num lar de idosos: Só no fim da vida se sabe se criou bem os filhos 

José António olhava pela janela do seu novo lar — uma residência para idosos numa pequena cidade do Alentejo, Évora — e não acreditava que a vida o tinha trazido até ali. A chuva caía suavemente, cobrindo as ruas de tons cinzentos, enquanto no coração do idoso reinava uma tristeza profunda. Ele, pai de três filhos, nunca pensara que envelheceria sozinho, entre paredes estranhas. Antes, a sua vida fora cheia de luz: uma casa acolhedora no centro da cidade, a esposa amada, Maria, três filhos maravilhosos, risos e prosperidade. Trabalhara como engenheiro numa fábrica, tinha carro, um apartamento espaçoso, e, acima de tudo, uma família de que se orgulhava. Agora, tudo aquilo parecia um sonho distante. 

José e Maria criaram o filho Miguel e as duas filhas, Ana e Sofia. A sua casa era calorosa, cheia de visitas — vizinhos, amigos, colegas. Deram tudo aos filhos: educação, amor, valores. Mas há dez anos, Maria partira, deixando José com uma ferida que nunca cicatrizou. Na altura, ainda acreditara que os filhos seriam o seu apoio, mas o tempo mostrou-lhe o quanto se enganara. 

Com os anos, José tornou-se um estorvo para os filhos. Miguel, o mais velho, emigrara para a França há uma década. Lá, casara, formara família e tornara-se um arquiteto de sucesso. Uma vez por ano, enviava notícias, às vezes visitava, mas ultimamente as chamadas rareavam. “Trabalho, pai, compreendes”, dizia ele, e José acenava, escondendo a mágoa. 

As filhas viviam perto, em Évora, mas as suas vidas eram devoradas pela correria. Ana tinha marido e dois filhos, Sofia mergulhara na carreira. Ligavam uma vez por mês, apareciam de vez em quando, mas sempre apressadas: “Pai, desculpa, tenho tanto para fazer”. José observava pela janela, onde as pessoas carregavam sacos de compras e presentes. Era o dia 23 de dezembro. No dia seguinte, seria Natal e também o seu aniversário. O primeiro que passaria sozinho. Sem felicitações, sem palavras de carinho. “Ninguém precisa de mim”, sussurrou, fechando os olhos. 

Lembrou-se de como Maria decorava a casa para as festas, das gargalhadas das crianças a abrir presentes. Naquela época, a casa respirava vida. Agora, o silêncio pesava, e o coração apertava-se-lhe de saudade. José pensou: “Onde é que eu falhei? Maria e eu demos-lhes tudo, e agora estou aqui, como uma mala esquecida”. 

Na manhã seguinte, o lar agitou-se. Filhos e netos vinham buscar os seus idosos, traziam comidas, conversavam alegres. José sentou-se no quarto, fitando uma fotografia antiga da família. De repente, bateram à porta. Ele estremeceu. “Entre!”, disse, sem acreditar no que ouvia. 

“Feliz Natal, pai! E parabéns!” — uma voz que lhe fez o peito apertar. 

Na entrada estava Miguel. Alto, com alguns fios grisalhos, mas o mesmo sorriso de criança. Abraçou o pai com força. José não acreditava. Lágrimas escorriam-lhe pelo rosto, e as palavras morriam-lhe na garganta. 

“Miguel… És mesmo tu?” — perguntou, quase num murmúrio, receando ser um sonho. 

“Claro que sou, pai! Vim ontem, queria ser uma surpresa.” O filho segurou-lhe aos ombros. “Por que não me disseste que as tuas filhas te haviam colocado aqui? Eu enviava dinheiro todos os meses, bom dinheiro, para ti! Elas nada me disseram. Não sabia que estavas aqui!” 

José baixou o olhar. Não queria queixar-se, não queria causar desavenças. Mas Miguel não aceitou. 

“Pai, faz as malas. Hoje partimos de comboio. Levo-te para casa. Ficaremos com os meus sogros enquanto tratamos dos papéis. Depois, vens comigo para a França. Viveremos juntos!” 

“Para a França, filho?” — José hesitou. “Mas sou velho… Que faria eu lá?” 

“Não és velho, pai! A minha Claire é uma mulher maravilhosa, já sabe tudo e está à tua espera. E a nossa filha, Léa, sonha conhecer o avô!” — Miguel falava com tanta certeza que José começou a acreditar no milagre. 

“Não consigo acreditar… É demasiado bom.” 

“Chega, pai. Não mereces esta solidão. Vamos para casa.” 

Os outros residentes cochichavam: “Que filho tem o António! Um homem de verdade!” Miguel ajudou o pai a arrumar as poucas coisas, e à noite partiram. Na França, José começou uma nova vida. Entre pessoas que o amavam, sob um céu mais quente, sentiu-se novamente importante. 

Dizem que só na velhice se percebe se criámos bem os filhos. José compreendeu: o seu filho tornara-se no homem que sempre sonhara. E isso foi o maior presente da sua vida. 

Aqui se aplica o velho ditado: Filho és, pai serás – como fizeres, assim acharás … 

Esta é uma linda história de vida que espelha bem os dramas sociais do nosso dia a dia, com episódios constantes do abandono dos nossos meninos de ontem que, depois de uma vida de luta para alcançarem patamares que lhes permitiram ter um fim de vida com qualidade, deparam-se com uma realidade nada esperada. 

O abandono da família reflete a história atrás descrita, escrita por um desconhecido, mas que revela aquilo que é hoje a nossa realidade. 

Os nossos “meninos de ontem” continuam tristes, porque a sociedade onde estão inseridos continuam a ignora-los ou a despeja-los num lar ou numa casa de repouso. 

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