3.O Capelão da Panasqueira e o casamento de consciência.
O Padre Manuel Vaz é um solteirão de trinta e seis anos. Um bom coração, o orgulho das gentes da Panasqueira. Licenciado em teologia é o novo capelão das Minas da Panasqueira. Nasce no Vale dos Prazeres, numa tarde de sexta-feira de Paixão. Segue a vida recolhida de sacerdote, por influência dos papás Francisco e Maria José. Este, um dos mais antigos operários das minas. A infância é passada na azáfama da labuta mineira, consagrando a sua vida espiritual aos mineiros. Nas “casas de malta”, sentados, todos escutam as bondosas palavras do pároco, sabiamente vertidas nas “Notas Curiosas” do jornal “o Mineiro”.
António Manuel Gomes, o “Estica Fios”, nasce no lugar da Roda, freguesia de Pombeiro, comarca de Arganil. Família grande para sustentar! A agricultura não dá para colocar uma malga de sopa e uma côdea de broa na mesa. As pescarias no Rio Alva, na penumbra da noite e às escondidas do terrível guarda Ferrão, enriquecem o cardápio familiar.
A firma inglesa “Beralt, Tin & Wolfram” procura gente para as minas. Foge da pobreza e da fome, mete-se a caminho. Passa por Cepos e Fajão, na direcção de Unhais o Velho. As minas espraiam-se entre os maciços de S. Pedro do Açor e da Gardunha. Grandes escombreiras, que dão cabo das águas! O rio Zêzere refila, resmunga. Nas invernias cresce, ameaça. De nada lhe vale!
Um solteirão bonito com algumas poupanças, engordadas pelo contrabando. Entra na numerosa falange dos que não resistiram à tentação. Os “candongueiros de minério”! Jogava ao monte com os do “Minho”, gente dos Arcos de Valdevez e Melgaço, no bruaá da batota e da vinhaça. Vicia-os na aguardente de medronho, roubada aos ervedeiros da Ribeira Maior na freguesia de Vilarinho.
Desde que a viu, passou a adorá-la, a seduzi-la. A sua bela estatura, a suavidade das suas mãos, o brilho picante dos seus olhos, impunham-se. Uma mulher dada! Todos conheciam a Lucinda Rosa! Passa a viver amancebado com a mulher, um delírio. Aos domingos à tarde mostra-a, leva-a ao Clube e ao cinema, junto à galeria cinco. Na escuridão faz-lhe juras de amor, perde-se. Chega aos ouvidos da Direcção das Minas. A Lucinda Rosa é expulsa pelo pé fofo e delicado do engenheiro George A. Smith. Pelo seu comportamento escandaloso!
O Gomes caminhava já para os quarenta, escavacados! A vida da mina e da devassidão estava a arrumá-lo. A silicose avançava, era medonha! Numa bonita e suave tarde de Primavera o padre Vaz Leal, depois da devoção do terço, preparava-se para beber o seu chá com torradinhas. Um pequeno pecado da gula! É chamado à pressa, para assistir aos últimos momentos do António Gomes. Um herege, um devasso! Que não assistia às celebrações dominicais. Resmunga muito, apercebe-se que vivia em união ilícita com a Lucinda Rosa. O seu bom coração cede ao pedido do moribundo! Casa-os à frente de três testemunhas, a fim de o pobre enfermo poder receber os últimos sacramentos. Poucas horas depois o fio da vida parte-se. O Gomes morre aconchegado nos braços da amada.
A Justiça abre devassa contra o Capelão das minas e dos mineiros. O Regedor, José Matias Barata, informa S. Ex.ª o Procurador da Republica junto da Comarca de Arganil. Corriam termos uns autos de inventário orfanológico, por óbito do Manuel António Gomes. Que o falecido foi casado, nos últimos dias que viveu com Lucinda Rosa, pelo Senhor Padre Manuel Vaz Leal, Digníssimo Capelão da Panasqueira. Só para não ser sepultado civilmente! O bom do padre explica-se ao Juiz Fernando Pereira da Silva. O escrivão José Escarameia Calha, no ambiente sagrado e acolhedor da Justiça, faz a sua assentada: - “Que dera conta ao Ordinário da Diocese, Dom Domingos da Silva Gonçalves e que o casamento serviu apenas para a recepção de sacramentos. Apenas válido para o foro eclesiástico”.
A Justiça fica esclarecida. Um casamento de consciência! Nada mais quer da Igreja. Arquiva a devassa.
