A palavra “profeta”, associada a “profecia”, pode ser interpretada com um certo misticismo. A arte de ler palmas das mãos, de olhar para bolas de cristal e ver o futuro, de prever um acontecimento posterior com maior ou menor grau de probabilidade – tudo situações que desvirtuam a génese do conceito. Um profeta não é (só) isso. É um ser muito mais completo, dotado da capacidade de olhar para si, para os seus pares e para o seu mundo com sentido crítico, limpo de hipocrisia e de interesses. A pessoa do profeta é a tentativa da purificação do que é nefasto.
No Antigo Testamento, a figura do profeta tem especial relevo. A narrativa, a partir do livro do Génesis, estabelece duas linhas de descendência que governariam, cada uma na sua área, o povo de Israel. Do ponto de vista político, a liderança seguiria pela linha dos reis; do ponto de vista sacerdotal, pela linha dos padres. O objetivo das duas linhas eram comum: a liderança dos descendentes de Abraão, no plano real e metafísico em conformidade com as prerrogativas do único e verdadeiro Deus de Israel. Estes homens seriam iluminados e talhados para a prosperidade. Mas eram, verdadeiramente, homens. Sendo homens, desvirtuavam-se. Procuravam satisfazer os seus prazeres banais e encher o seu ego, quer na sua vida privada, quer através de conflitos armados, colocando em causa a segurança e estabilidade do seu próprio povo.
Era neste contexto que surgiam os profetas. Viviam vidas de simplicidade, alertando para a hipocrisia dos grandes líderes. Afrontavam o egoísmo e apelavam ao caminho reto e sincero. Eram mal vistos, pois não valorizavam o que era a norma social. Não se importavam com vestir bem, cheirar bem ou agradar. Apenas procuravam alertar tudo e todos a todo o custo para o seguimento da vida reta.
Não tenho espaço aqui, nem pretendo ser exaustivo, mas listo alguns exemplos do que refiro. Isaías, profetizava a vinda iminente do Messias, apelando à retidão; Jeremias apelava ao arrependimento; Elias e seu sucessor Eliseu enfrentaram os idólatras e defenderam a justiça social; Natan fez frente ao Rei David aquando da sua infidelidade; Ana alegrou-se com a salvação do seu povo; João Batista viveu isolado, no deserto, comendo frutos silvestres e gafanhotos, apelando ao arrependimento final. O que se retira, para os dias de hoje, daqui?
A idolatria não é mais ao politeísmo. É agora a homens, comuns, que se tentam estabelecer como verdadeiros messias. A equiparação do status social e político, bem como do financeiro, ao sucesso eterno cria falanges de apoio cego, que não olha a meios para atingir os fins pretendidos. E que fins são esses? O dinheiro sem possibilidade de conta, a infidelidade dentro e fora de relações, a falta de lealdade à palavra, a falta de empatia – o foco no individual cega-nos de modo a não conseguirmos ver ou entrar na posição do nosso semelhante, tantas vezes ao nosso lado. A corrida do individualismo ergue torres enormes, mas finas, que não conseguem interligar-se entre si. E quando se interligam apenas o fazem putativamente, aparentemente, para que todos vejam essa ligação. Por baixo da ponte entre torres está o abismo…e a ponte é de madeira podre. Qualquer passo em falso e é descoberta a carcaça em pensamos viver.
O foco só pode ser um: harmonia, empatia e simplicidade. A harmonia entre todos surge na busca pelos consensos e não pela categorização e inimizade. A empatia aparece no duro exercício de acordar e tentar ser uma pessoa melhor, ao invés da merda que temos sido e que é fácil ser. A simplicidade facilita a vida de todos, elimina rótulos sociais e maximiza a ideia de que somos pó, pois de lá viemos e para lá voltamos. Só assim se vive uma vida reta.
