- Manos, há muita neve…. Venham ver!!!
Matilde estava muito contente, porque há muito sonhava com a neve branca, fofa, macia e ela nunca mais vinha… Mas, naquela manhã, ao acordar…
Era uma verdadeira gritaria e a avó Maria estava a ficar sem paciência:
- Ó Matilde, mas que barulheira! Os manos estão a acabar o pequeno almoço e tu ainda nem comeste!
- Eu como depressa, vozecas. Temos que nos despachar porque, se deixa de nevar, já não podemos usar os trenós!
Realmente, o quintal estava cheiinho de neve e a avó ainda nem tinha tido tempo de olhar lá para fora… O pequeno almoço da miudagem prendeu-a na cozinha de tal forma…
Ela bem estranhou o gatito a esgueirar-se para junto da lareira…
- Ninguém sai daqui sem comer e só depois vamos ver se a Mãe vos deixa ir para a rua, com tanta neve a cair… é que está mesmo a nevar a sério!
- Eu já liguei a pedir ordem ao Pai - adiantou o João.
- E a minha Mãe também me disse que sim - acrescentou o primo.
É que, nesses dias, com as férias de Natal, também lá estavam os primos…
Pois bem! A avó viu-se numa grande confusão a preparar os netos para a neve…. Ora, a ajudar a calçar as botas, ora a apertar bem os cintos e lembrar os gorros mais quentes…. Foi uma verdadeira azáfama!
O mais pequenito do grupo, o Joanico, como todos lhe chamavam, que nunca tinha visto neve pois morava longe onde nunca tinha nevado, não esperou muito. Atirou-se para um dos trenós e lá vai ele…
Já todos faziam as suas brincadeiras e rodopiavam com os trenós, quando se aproximam duas crianças que a Matilde já tinha visto algumas vezes, a pé, a caminho da Escola… Os miúdos vinham curiosos, mas não se aproximavam … nunca tinham feito experiências com trenós, pois de certo!
Mas o Joanico, mal viu os miúdos, chamou-os para virem também…Estava eufórico, era vivaço e quis logo ainda mais azáfama, naquela que era uma experiência muito especial…
Porém, o Zé e o Chico, que só depois da avó muito insistir é que disseram os nomes, permaneciam atenciosos e calados, parecendo recear a experiência…
Mas logo então, surgiu na curva da estrada uma figura estranha, ou pelo menos desconhecida nas redondezas.Todos os miúdos pararam as brincadeiras, como que hipnotizados pelo aparecimento de um jovem alto e moreno que sorria ao aproximar-se. O seu cabelo era mais longo do que estavam habituados a ver e o seu olhar era … diferente… de um negro menos comum. Todas as crianças pararam as brincadeiras e a avó resolveu aproximar-se e fazer conversa com o rapaz… Também ela estranhou o seu sorriso e os olhos negros e amendoados que indicavam não ser oriundo da região.
- O jovem precisa alguma coisa, alguma informação?
- Sim, venho buscar estes dois meninos que brincam ou apreciam a brincadeira dos seus netos…
O Zé e o Chico fizeram um ar amedrontado, enquanto a personagem mistério sorria, abrindo os braços como se quisesse abraçá-los…
Houve uns momentos de estranheza, hesitação que a avó tentou resolver, de imediato…
- Então, mas o jovem conhece estas crianças?
O visitante sorriu de novo, revelando algumas rugas em volta dos olhos negros, que mostraram não ser tão jovem como tinha parecido à chegada. E um novo sorriso foi acompanhado de lágrimas que não resistiram em rolar pelas faces.
Não passaram muitos segundos e surge na curva da estrada uma senhora idosa que, mesmo revelando alguma dificuldade na locomoção, se aproximava, parecendo tentada e entrar no círculo que ia crescendo… E, também ela trazia lágrimas acompanhadas de um sorriso que prendeu imediatamente o Chico e o Zé. Logo correram para a avó e se aconchegaram nos seus braços…
- É o vosso Pai, meus amores. Afinal chegou, sim…
As crianças paralisaram indecisas, mas o mais decidido, o Zé, correu a refugiar-se nos braços do Pai, revelando bem que confiava na abertura da avó e se enchia de felicidade.
O quadro era enternecedor…. Enquanto um Pai revelava a alegria do encontro, as outras crianças e a avó iam fechando o círculo, naturalmente sensibilizadas pela ternura do momento.
Então as duas avós sorriram e abraçaram-se, também chorando de alegria, como se todo o grupo de crianças fossem netas de ambas.
A noite fechou-se, mas a porta daquela casa, onde a neve não chegou a entrar, abriu-se ao de leve, como para acolher uma felocidade inesperada.
Foi então que a avó Maria sentiu uma alegria imensa quando viu a mesa completamente posta e repleta de tantas comidas deliciosas, enquanto as velas enchiam de luz o espaço onde o presépio tinha sido preparado pelos miúdos, na noite anterior. Logo do sino se ouviram as badaladas que a todos lembravam que se ia chegando a hora da Missa do Galo, naquela noite de Natal tão diferente de todas as outras…