Opinião: João de Jesus Nunes | Traços de vária História do Concelho da Covilhã
Por Jornal Fórum
Publicado em 04/12/2025 08:00
Opinião

Face às justas críticas que têm vindo a ser feitas à anterior governação covilhanense, no que toca ao panorama socioambiental que tem sido negligenciado, impôs-se-me uma breve retrospetiva da Covilhã de outros tempos. Na verdade, situações como a recente proliferação de prédios em altura, que beliscam profundamente a paisagem e retiram aos vizinhos a visão panorâmica que sempre tiveram – como sucede na Rua Manuel de Castro Martins, que foi meu ilustre professor – ilustram bem essa problemática. Como muito assertivamente refere o amigo professor António Rodrigues Assunção, no Notícias da Covilhã, ergueu-se ali “um mastodôntico edifício habitacional”, evocando ainda “os anos 1920-1930 da criação nesta cidade de uma Comissão de Iniciativa Turística, embrião da futura Região de Turismo da Serra da Estrela”. Essa evocação levou-me a trazer à memória alguns traços da história deste concelho naquele longínquo período.

Não se pode confirmar, com base em dados positivamente seguros, a existência da indústria de lanifícios na Covilhã durante a dominação romana. Admitir que os pascigos da Serra da Estrela alimentavam ovelhas e que a lã deu origem a uma indústria é mera conjetura, sem fundamento histórico sólido. As selvas que então revestiam os ínvios desfiladeiros da serra mal podiam oferecer passagem ou pastos adequados à ovelha. Se algum animal doméstico poderia aventurar-se, sob vigilância humana, pelos pascigos serranos, seria a cabra – pela profusão de pastos adequados à sua voracidade, bem como pela sua agilidade e robustez. E como os romanos utilizavam o pelo da cabra para tecer cordas e fabricar tecidos grosseiros com que cobriam as tendas de campanha, é plausível afirmar que fundaram a Covilhã na Corredoura para aí estabelecerem fábricas de cordas e tecidos feitos com pelo de cabra.

Foi, porém, durante a ocupação muçulmana da Península que, com maior probabilidade, se fixou na Covilhã a indústria de lanifícios. O mouro inventou o pisão mecânico para esta indústria – denominado na Covilhã maceira – que aqui se utilizou durante muitos séculos. Nas ribeiras da Degoldra e da Carpinteira existiam numerosos pisões antiquíssimos, tão antigos como moinhos e azenhas.

O pisoamento do tecido de lã tem por finalidade feltrá-lo. O feltro começa a preparar-se no cardar da lã, de onde se produz o fio com que se urde e se tece o artefacto. É o feltro a pedra de toque que permite aquilatar a superioridade da lã, sendo a sua capacidade de feltragem o que confere aos tecidos as qualidades isoladoras da temperatura, fazendo desta fibra a matéria-prima mais adequada ao vestuário. Assim, o antigo pisão mourisco existente nas ribeiras da Covilhã atesta que a indústria da lã cardada é aqui, muitas vezes, secular.

A primeira Fábrica Real da Covilhã, fundada por D. Pedro II segundo as ideias económicas do Conde da Ericeira, situava-se na Ribeira da Carpinteira, no local da Fábrica Velha, que mais tarde passou para Campos Melo & Irmão. A Fábrica Real Nova – hoje Universidade da Beira Interior e outrora quartel militar (Regimento de Infantaria 21 e, posteriormente, Batalhão de Caçadores 2) – foi fundada pelo Marquês de Pombal junto da Ribeira da Degoldra. Ambas surpreenderam nos fabricos covilhanenses a tramilha, que não era senão um derivado ou sucedâneo da preparação da lã penteada.

Predominantemente doméstica até ao fim do primeiro quartel do século XIX, a indústria da Covilhã não era tão absorvente que impedisse os seus habitantes de se integrarem coletivamente nos grandes acontecimentos políticos, militares e marítimos que fizeram de Portugal uma das nações mais gloriosas da Europa.

Um pequeno quadro histórico, quase às origens da nacionalidade, revela bem a têmpera e o altíssimo ânimo dos covilhanenses medievais, que já então se ocupavam no pacífico labor dos lanifícios. D. Sancho I concedeu à Covilhã o seu primeiro foral em 1186.

Contudo, já antes dessa data o concelho se encontrava organizado municipalmente, regendo-se pelos usos e costumes do foral de Salamanca, tal como os concelhos vizinhos de Valhelhas, Penamacor, Guarda e Alpedrinha.

D. Sancho I, encontrando a Covilhã organizada consuetudinariamente, alterou-lhe o regime jurídico, conferindo maiores regalias aos seus vizinhos. O amplíssimo território sob jurisdição dos alcaides da Covilhã estendia-se desde o vértice da Serra da Estrela – onde, no reinado de D. João VI, se edificou a Torre e onde Emídio Navarro sugeriu que fosse erigida a estátua da Lusitânia – até às Portas de Rodão, já no Tejo, no extremo sul.  Essas variações na organização municipal sucederam à medida que se iam redefinindo os contornos da vasta área concelhia.  

A vila de Belmonte tinha surgido na área territorial do concelho da Covilhã, por continuidade com o povoado romano de Centum-Cellae, surgido da exploração mineira do estanho.

Obviamente, nada daquilo que hoje conhecemos existia então. Não havia tecnologias modernas nem prédios que ensombrassem horizontes. O casario não incomodava e a paisagem regalava os olhos. Era impensável recear a poluição atmosférica ou os males causados pelo consumo de carvão. Existiam povoações, vinhedos, campos e montes; e não se imaginavam as vastíssimas extensões de terreno que hoje acolhem painéis fotovoltaicos.

Fica, pois, esta reflexão sobre o que todos nós vimos contribuindo para um futuro cada vez mais incerto na nossa vivência sobre este planeta.

Para terminar, envio os meus parabéns ao semanário FÓRUM pelos seus 14 anos a informar a Região, e também pelos dois anos e meio da RÁDIO FÓRUM, que se têm vindo a rejuvenescer. Que assim continuem por muito anos, acompanhando a transformação da sociedade em que nos inserimos.

 

João de Jesus Nunes

 

jjnunes6200@gmail.com

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