Opinião: Miguel M. Riscado | Ideologia e a vitória da política
Por Jornal Fórum
Publicado em 30/07/2025 10:43
Opinião

Em tempos, a categorização das pessoas por grupos — sempre limitadora e obstante ao reconhecimento próprio e “do próprio” — era feita tendo por base características inegáveis do quotidiano de cada um, bem como da abordagem cabal à vida, per totum. (Sei que estou sempre a falar disto), no judaísmo de segundo templo, as grandes diferenças, dentro da mesma religião operavam por meio da categorização. Ultrassimplificando: os fariseus eram a maioria; os saduceus eram os ricos; os zelotes eram os belicistas; e os essénios eram os desligados. Mais, na evolução da história humana, seguindo um método de análise deveras comum, a divisão das pessoas operava pela classe social: nobreza, clero, povo. É certo que falamos de sistemas móveis, mas que tendiam a manter uma certa rigidez. Com o apogeu das revoluções liberais, da doutrina de Marx e da resposta da Igreja, tudo isto mudou. 

Se fazia sentido, contemporaneamente a estas mudanças, tomar partido e posição, a evolução do Estado Social pacífico, a segurança interna dos países do ocidente e, fundamentalmente, a existência de valores judaico-cristãos, anteriores à positivação jurídica, que foram abertamente acolhidos e plasmados nas democracias plenas, levou, não há muito tempo, à aparência de uma paz perpétua, marcada por longos períodos de acalmação social e diálogo político frouxo. A política era vista como necessária, mas não fundamental ao quotidiano do Homem comum e médio. Outros problemas e desafios existiam e tinham de ser lidados. Os valores que guiavam a vida não eram os da ascensão político-mediática, da imposição de uma ditadura da maioria, mas sim a transmissão de conhecimento e a maximização do conforto.  

Tudo isso mudou com a transformação deste sentimento de paz perpétua em aborrecimento coletivo. Há um velho ditado anglo-saxónico: “an idle mind is the devil's playground. O aborrecimento faz crescer o tédio e o tédio leva à estupidez. Como se relaciona e materializa isto com a política? O que era uma democracia pacífica, torna-se aparentemente uma nova guerra de trincheiras. Cada um é categorizado com a ideologia política que (diz) defender. Diz defender. Não há verdadeiramente um comunista, um socialista, um social-democrata, um nacionalista, na política ativa. Há um conjunto de personagens altamente moldado e formatado por motivos de comunicação e imagem, vulgo de propaganda. 

Esta propaganda é especialmente dirigida ao campo emocional pessoal, ignorando e atirando para um segundo plano toda a racionalidade. A necessidade de ser o “político mais fixe”, que “rebenta o adversário”, que é “radical”, “politicamente incorreto” e “um gajo/a porreiro/a”, mais não é que um longo ensaiado teatro, com o objetivo, não só de entreter os entediados, mas de os fazer agir sem pensar, tomar posição sem analisar. É uma democracia aparente. A democracia que Sócrates (o filósofo…o ateniense) odiava, porque denegria os verdadeiros valores que a construíram. Não basta a adjetivação da democracia, há que (re)moldá-la aos valores que a erigiram.  

 

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