É junto ao Jardim do Rodrigo, na Rua Francisco Rodrigues Taborda, ao descer a rampa que, ao fim de tarde, nos deparamos com um coro tímido de miados. É ali, na entrada do Jardim do Rodrigo e no fim do bairro do Rodrigo que Maria e João dedicam parte das suas tardes a um grupo de gatos sem dono, mas nunca sem cuidado. 
Maria, de 80 anos, e João, de 77, pedem que não revelemos os seus apelidos. Não o fazem por medo, mas por humildade. Há oito anos que este casal de idosos transformaram parte do seu quotidiano num gesto silencioso de amor. Todos os dias, descem juntos até ao jardim para alimentar e cuidar dos pequenos felinos que ali vivem.
“São nove gatos, outros três aparecem cá de vez em quando”, conta João, enquanto ajuda a deixar ração em recipientes. À sua volta, vários olhos pequenos e brilhantes observam cada movimento, como se acompanhassem um ritual sagrado. A cada passo do casal, os gatos seguem-nos, enrolam-se nas pernas e miam, um cortejo que denuncia uma ligação de anos.

O cuidado, no entanto, não é simples. Uma antiga moradora do bairro conseguiu a esterilização dos gatos e chegou a construir pequenas casotas para que os animais se resguardassem, mas as chapas de zinco não bastam para o frio que se faz na Covilhã no inverno. São Maria e João que trazem mantas, lavam-nas, trocam-nas. São eles que compram a comida do próprio bolso:
“A semana passada deixei lá (supermercado) 20 euros, ontem 25… chega ao fim do mês, 20 mais 25, mais 25… ultrapassa os 60”, vai fazendo contas Maria.
Maria admite, com uma voz doce mas cansada, que a idade já pesa. Tem problemas cardíacos e já não consegue fazer a dupla deslocação diária. Agora vai apenas à tarde, acompanhada do seu marido:
“Eu esforço-me para os tratar o melhor possível, mas vir duas vezes ao dia é impossível”.
Entre todos os gatos, há duas vozes que fazem os olhos de Maria brilharem e a voz embargar: Xaninha e Lila, mãe e filha. Estão ali há quase nove anos e são as meninas dos olhos de Maria. Quando chegam, ouve-se um miar diferente, um som doce que parece um cumprimento. Maria não poupa os elogios ao falar desta dupla, “São as minhas favoritas, as minhas lindas”. Xaninha encosta a cabeça na mão da cuidadora, Lila segue-lhe o gesto com a mesma confiança, num gesto de mistura entre pedido de carinho e de patê.
O casal não conta com apoio de associações ou particulares. Até agora, fizeram tudo sozinhos, voluntariamente. Mas, no decorrer desta reportagem, elementos da associação local Instinto manifestaram-se disponíveis para ajudar com alimentação. Mesmo assim, João e Maria deixam um pedido aberto à comunidade:
“Alguém que viesse de manhã, já ajudava. Para não estarem famintos a esta hora como estão”.
Ali naquele pequeno largo, vivem a Xaninha, Lila, os restantes 7 e 3 visitantes ocasionais. Mas também vive a prova que mesmo nas esquinas mais inesperadas da cidade, há sempre espaço para gestos que aquecem, assim como as mantas que João e Maria levam, lavam e trazem de volta.
