Opinião: Pires Manso | Desertificação humana do interior e a dificuldade em inverter essa tendência – um breve contributo para a sua discussão e eventual solução
Por Jornal Fórum
Publicado em 19/09/2025 10:28
Opinião

O problema da desertificação humana ou despovoamento da maioria dos concelhos do país é uma evidência desde os anos 50/60 do século passado quando os portugueses das zonas rurais, sobretudo, mas também das urbanas, decidiram emigrar para França e outros países da Europa, onde, consequência da 2ª Grande Guerra se fazia sentir uma grande procura de mão de obra, decorrente da necessidade de proceder à recuperação/reabilitação dos estragos por ela provocados. Desde essa altura (anos 1960) o processo tem sido imparável e agor,a muitos destes municípios, têm até dificuldade em sobreviver, precisando de uma reforma administrativa significativa que agrupe alguns deles como se fez nas aleias, pois que Tribunais, Finanças, Hospitais, e por aí fora, tendem a encerrar por falta de clientela… Mas o que fazer numa situação desta que cobre mais de 70% do território nacional? Haverá recursos humanos, naturais, procura e iniciativas empresariais e capital suficientes para conseguir inverter esta tendência? É este o tema deste breve artigo suscitado por um pedido de entrevista de uma jornalista do Jornal Público a propósito do concelho de Penedono cuja reportagem saiu a semana passada 

 

Partindo desta realidade bem visível nas estatísticas do INE, do Eurostat e da OCDE, a primeira questão a abordar levantada pela referida jornalista é a seguinte: “O que fazer para atenuar o “declínio” de concelhos pequenos (…) e outros com menos de 3000 habitantes? A resposta a esta questão não é fácil. Infelizmente não é só esse concelho que está desertificado. Entre 70% a 80% do Portugal Interior, e até de alguns pequenos concelhos, mais rurais, do litoral sofrem a mesma razia demográfica e empresarial. O problema é, aliás, comum a outros países da velha Europa nomeadamente de Espanha, França, Itália, etc., e do Europa em geral que, a par deste esvaziamento, sofrem também de uma redução da taxa de natalidade para valores próximos de um filho por mãe, valor que está longe de permitir renovar a população e até de substituir os entes falecidos nas mesmas regiões. É evidente que o desenvolvimento destes concelhos passa pela criação de empresas e de postos de trabalho ou pela criação de serviços públicos, o que, neste segundo caso, não deve acontecer pois está-se é a assistir-se ao esvaziamento dos serviços públicos nestas terras, nomeadamente com o encerramentos de escolas, de postos da Guarda Fiscal e alfândegas nas zonas de fronteira, de postos de GNR em quase todos eles, além de pequenos hospitais, tribunais, centros de saúde, ….  

Mas atrair empresas não é fácil. Por um lado, porque o capital nacional é reduzido e normalmente vai para os grandes centros onde está o mercado consumidor dos produtos, ou onde há algum porto para exportar os bens produzidos e onde estão os eleitores que decidem as eleições e indiretamente decidem a localização das empresas quando necessitam de apoios públicos para se instalarem. Também porque há imensa concorrência entre autarquias que o disputam e que lhes oferecem vários estímulos como terrenos grátis e às vezes até instalações, isenções fiscais e financeiras e outras facilidades diversas… Por outro, o capital estrangeiro (IDE nas iniciais em português) é ainda mais raro e é altamente disputado por todos os países e as grandes cidades com estímulos muito importantes a surgirem de todos os lados e que frequentemente superam os que Portugal e os municípios podem oferecer. Além disso, esses dificilmente se instalam em pequenos centros, a não ser com apoios públicos altamente favoráveis… e mesmo assim duvidamos que o façam porque há problemas de oferta de mão de obra qualificada e muitas vezes falta até de outras infraestruturas como colégios e universidades ou politécnicos para os filhos, redes de fibra ótica, e por aí fora.  

A solução para estes concelhos passa por apoiar, como se puder, as empresas já instaladas, por ajudá-las a crescer as que têm vontade de o fazer e têm sangue novo na liderança por aproveitar a iniciativas agrícolas, florestais e pecuárias com a mão de obra e empresários locais, e também por criar lares da terceira idade para ajudar a sua imensa população idosa por vezes mais de 70% dos habitantes locais. Um pequeno parêntese para referir, a este propósito, que hoje as IPSS/lares da terceira idade, a par das Câmaras Municipais, são os maiores empregadores de praticamente todos os concelhos rurais do interior. Mas a solução passa também, entre outros, por desenvolver o sector do turismo rural, a indústria da salsicharia ou cárnica, dos lacticínios- queijo e derivados, e outros sectores.  

De facto, é conhecido um ou outro caso de sucesso, relativo, que beneficiou da criação de uma empresa mobilizadora, por exemplo, mas não conhecemos nenhum que tenha conseguido inverter a tendência de esvaziamento demográfico e de progresso económico, apesar de muitos o virem tentando há já bastante tempo A verdade é que para inverter essa tendência, seria necessária uma grande reforma estrutural, seriam precisos imensos fundos comunitários e/ou nacionais – públicos e privados – para se conseguir dar a volta à situação, seria necessária uma forte discriminação positiva do interior o que requereria imensa força política para tomar estas decisões, o que num regime como o nosso, dependente de ajudas da EU e de eleições democráticas que se repetem de 4 em 4 anos, não existe. 

A jornalista escreveu, “estamos a falar de um concelho desertificado e que parece não existir também na opinião pública. Não há um jornal, não há uma rádio, raramente se ouve falar do município nas notícias. A não ser agora, nos incêndios. Como se galvaniza estas populações para a participação cívica e nas eleições? Nas últimas autárquicas, houve mais de 33% de abstenção. De facto, o desenvolvimento destes concelhos também passa por aí: pela criação e dinamização de um jornal local, de uma rádio, de uma tv local, e de actuar decididamente nas redes sociais, para poder ajudar a promovê-lo. Convém, no entanto, não esquecer que a galvanização de populações muito envelhecidas também não é pera-doce, mas criar o jornal, e a rádio dará certamente uma ajuda, e isso não é complicado desde que haja vontade,  associações e poder político interessados. Além disso, são necessárias mais infraestruturas para atrair gente mais jovem como filhos e netos de emigrantes, entre outros, piscinas naturais ou artificiais, polidesportivos, miniprogramas urbanos (polies) nas aldeias e vilas, incluindo lares e centros de dia. Igualmente o fortalecimento da rede de transporte para favorecer deslocações a hospitais, sede do concelho, comboios, o alargamento da rede de fibra ótica com banda larga / rede internet de forma a favorecer o teletrabalho e a atração dos trabalhadores remotos nacionais e estrangeiros, a criação de centros e redes de trabalho colaborativo (coworking), a criação de parques empresariais com terrenos a custo zero, e ainda a motivação das pessoas para participarem nas diversas actividades cívicas, para votarem, por exemplo, e exigirem dos políticos o cumprimento das promessas eleitorais… Contudo, a idade da maioria da população e algum desencanto com a democracia e a política com as suas promessas raramente cumpridas, e os seus fracos resultados na maior parte os municípios não tem ajudado nada, mas o apelo via rádio e via jornais, a publicidade a programas que mexam com as pessoas são certamente, algumas boas ideias ou soluções. 

E para terminar,Mas haverá esperança para as populações dos concelhos do interior? Na opinião de uma pessoa optimista, há sempre esperança, aliás, esta é habitualmente a última a morrer. Mas temos de ser realistas. Este é um processo que vai demorar décadas e que irá deixar muitas terras aflitas e até algumas abandonadas neste nosso interior (como pequenas aldeias, pequenas povoações, anexas, etc.). Há pequenas iniciativas que estão a ser implantadas nalguns locais e que parecem ter sucesso como a construção de aramados em pequenas propriedades juntas com outras, ora compradas ora arrendadas, uma forma de emparcelamento, fruto da escassez de gente nas localidades e dos baixos preços de venda e arrendamento dessas propriedades; isso, acrescentado dos subsídios da EU à criação de animais diversos, e às plantações agrícolas, permitirá mais, melhores e mais rentáveis explorações. A produção de mel, a criação de produtos DOC – denominação de origem controlada, de produtos biológicos, a exploração energética (eólica e fotovoltaica e nalguns casos a biomassa), a produção de frutos de qualidade se possível também biológicos como a castanha, pêssego, maças diversas, peras, diospiros, abrunhos tipo rainha Claúdia ou equivalente, nectarinas, damascos ou alperces, além do melão, melancia, de alguns produtos secos, a produção e até apanha de cogumelos, incluindo selvagens, por ex, para alimentação e cosmética. Nalguns casos a produção em estufa de feijão verde, pimentos, tomate, morango, e outros, para comercializar fora da época ‘normal’ ou de mais abundância, e com preços mais baixos é também uma boa alternativa. A criação de gados diversos para leite e/ou carne e o desenvolvimento da indústria das carnes / salsicharia (presunto, enchidos variados…). A produção de doçaria tradicional. Há casos de sucesso sobretudo com empresários mais jovens em diversos sectores, entre eles, desenvolvimento do cluster do turismo: rural, de natureza e outros, e pedestrianismo… pequenas unidades hoteleiras, restaurantes e bares/cafés, … aproveitamento de barragens e cursos de água da zona… O desenvolvimento da indústria de lacticínios (pequenas unidades, artesanais, de queijo e requeijão de cabra, vaca e ovelha). O desenvolvimento do sector da madeira – produção e comercialização para a indústria de móveis, paletes ou celulose, se possível com árvores que não ardam facilmente. A criação de marcas próprias diversas. A recuperação de aldeias a exemplo das aldeias históricas e apoio à reconstrução de casas degradadas. A criação de serviços: apoio à terceira idade (lares e centros de dia ou noite para substituir os familiares ausentes noutros locais, incluindo no estrangeiro); de serviços de eletricista, canalizador, pequenos empresários de construção civil, brigadas florestais... A produção de artigos em granito, ardósia, xisto e mármore. A construção de infraestruturas: estradas, caminhos de ferro, comunicação como a referida internet com fibra óptica de banda larga para teletrabalho ou trabalho remoto. Poderíamos ainda juntar outros exemplos de soluções, mas pensamos ter dado uma ideia das imensas hipóteses que se oferecem aos pequenos municípios do país, que, por acaso, são a grandíssima maioria 

 

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