Sim devia ser inelegível…mas!!
Uma das maiores expectativas de qualquer cidadão em relação ao sistema judicial é a previsibilidade das decisões. A justiça deve ser um espaço de confiança, onde a aplicação da lei obedece a critérios claros, transparentes e coerentes. Contudo, a realidade demonstra que, por vezes, perante os mesmos factos, os mesmos documentos e a mesma legislação, tribunais distintos no mesmo território podem produzir decisões opostas. Esta situação levanta questões profundas sobre a consistência do sistema judicial e sobre a perceção pública da justiça.
É compreensível que, em áreas de incerteza ou em matérias novas, haja interpretações divergentes. O direito, enquanto ciência humana, admite pluralidade de leituras. Mas quando os elementos em causa são idênticos, factos, provas, disposições legais e, ainda assim, as decisões judiciais divergem, estamos perante uma fragilidade estrutural que destrói a confiança dos cidadãos. A sensação que daí resulta é de arbitrariedade, como se a justiça dependesse não da Lei, mas do acaso, de que tribunal, de que juiz, de que instância.
Esta incoerência não é apenas um problema técnico, é um problema democrático. A justiça, para além de aplicar a lei, tem um papel fundamental na credibilização das instituições e na proteção da igualdade de todos perante a lei. Quando duas decisões contraditórias coexistem sobre a mesma realidade, a mensagem transmitida à sociedade é perigosa, a de que a justiça pode ser volátil, imprevisível e, em última análise, injusta.
Os cidadãos comuns sentem isso de forma muito direta. Como explicar a alguém que, num tribunal, um candidato é considerado inelegível e, noutro, em circunstâncias rigorosamente idênticas, essa mesma inelegibilidade não é reconhecida? Como justificar que a aplicação da mesma lei a factos iguais produza resultados contraditórios? Esta inconsistência compromete o princípio da segurança jurídica, essencial para que as pessoas saibam com o que contar e possam confiar nas instituições.
Um sistema judicial que aceita ou permite decisões contraditórias sobre os mesmos fundamentos está a enfraquecer a sua própria legitimidade. É como se enviasse uma mensagem de incerteza: “a lei é a mesma, mas a sua aplicação depende de quem a lê”. Este cenário abre caminho a perceções de desigualdade, de favorecimento ou de injustiça, mesmo quando tais intenções não existem. O problema não é apenas de substância, mas também de perceção, e na justiça a perceção é quase tão importante quanto a decisão.
A uniformização da jurisprudência é, por isso, vital. Tribunais superiores têm a responsabilidade de assegurar que a lei seja interpretada de forma consistente, garantindo critérios comuns e evitando a proliferação de entendimentos contraditórios. Não se trata de eliminar a liberdade interpretativa dos juízes, mas de proteger a coerência do sistema. Quando a mesma questão é decidida de forma diferente em tribunais distintos, deve existir um mecanismo célere de clarificação, capaz de restabelecer a previsibilidade e a confiança.
No fundo, a justiça não pode ser uma lotaria. A igualdade de tratamento exige que factos iguais sejam julgados de forma igual, sob pena de se violar o princípio básico do Estado de Direito…a certeza jurídica. A divergência de decisões em casos idênticos não é apenas um problema técnico-jurídico, é uma falha que fragiliza a democracia, que corrói a confiança dos cidadãos nas instituições e que compromete a ideia de que todos são iguais perante a lei.
É legítimo perguntar, que mensagem é transmitida aos cidadãos quando a mesma realidade leva a conclusões diferentes, dependendo apenas do tribunal que decide? A resposta é dura, a de que a justiça é imprevisível, que pode falhar na sua missão fundamental de garantir igualdade, e que a confiança no sistema judicial não é garantida.
Urge, por isso, uma reflexão séria sobre a necessidade de mecanismos eficazes de uniformização e de responsabilização. Não para punir juízes, mas para proteger a credibilidade da justiça. A democracia exige que os cidadãos saibam com o que contar e que possam acreditar que a justiça é aplicada de forma uniforme, imparcial e coerente. Sem isso, instala-se a descrença, a desconfiança e a erosão da autoridade das instituições. A justiça deve ser o espaço da certeza, não da dúvida. E só será respeitada se garantir que a mesma lei aplicada a factos idênticos gera, inevitavelmente, a mesma decisão. Tudo o resto é fragilidade.
E sim é inelegível!!
