Embora eu não devesse, inicio o meu texto com a explicação do título. Já aviso desde logo! Soa retrógrado, eu sei. Paternidade pode ser algo que remete ao paternalismo, coisa de fascista dirão alguns mais afoitos. Quando misturada com tatuagem, já torcemos o nariz, como se uma coisa não tivesse nada a ver com a outra. Mas a paternidade a que me refiro, diz respeito ao fato de eu ser pai e não mãe. É meu «lugar de fala», para utilizar um termo da moda. Já da tatuagem, não poderia dizer nada, pois não as tenho, o que não significa que não gosto delas.
Então vamos ao que interessa. Na semana que passou, observei uma cena interessante no Hospital Pediátrico de Coimbra, onde com frequência levo meu filho. No setor de atendimento, chegou uma brasileira (como eu) e, ao ser perguntada sobre o nome do paciente, respondeu: Gleiderson. A mãe, com sotaque do norte do Brasil, agiu com naturalidade, afinal não estava a fazer nada de errado. Até porque a saúde deveria ser um bem universal. No entanto, a estranheza residia na face do atendente. Numa expressão não verbal, vi a pele de sua face contrair-se, como se o nome do menino viesse acompanhado de um jacto de sumo de limão, desses que enrrugam até a língua.
Felizmente, dado o excelente atendimento daquele hospital, não foi preciso soletrar: Glei-der-son. Parece até nome holandês, Van der Lan. Além do mais, com tanto brasileiro a viver em Portugal, já estamos todos acostumados. Foi então que pus-me a pensar: por que razões a mãe, o pai, ou ambos, não escolheram o nome Gabriel para o menino? Gabriel, Lucas, Mateus, João. Está bem, são nomes cristãos, mas poderiam ser outros, mais simples, como os da antiga lista dos registradores portugueses. Foi então que veio-me à mente a ideia de que, para alguns pais, os filhos são como tatuagens. Expressões artísticas de um ideal ou mesmo uma projeção daquilo que gostariam de ser. Parece complicado, mas não é.
Quando escolhemos um desenho, símbolo ou qualquer outro sinal para desenhar em nosso corpo, procuramos expressar alguma mensagem. Algo que em nosso imaginário represente algo significante, que faça sentido. Por isso, fiz essa analogia de que quando vamos escolher um nome para dar ao filho (seja menino ou menina) e escolhemos algo diferente, inovador, tenho a impressão de que o fazemos como quem escolhe o que vai tatuar.
Mas filhos não são tatuagens, por mais que marquem profundamente a nossa vida. Não temo-los para o nosso gosto, para satisfazer nossos recalques, ou mesmo para serem quem gostaríamos de ser e não fomos. Cada filho, cada nascimento, obecede a um propósito específico, do qual somos meros meios de realização. Pensar para além disso é dar vazão ao egoísmo.
Nem todos precisam pensar da mesma maneira. Para tal é que existe o respeito. É admirável quem escolhe ter um cão em vez de um filho. Não deixa de ser uma atitude altruísta, se levarmos em conta que o exercício da paternidade e da maternidade requer muita renúncia, responsabilidade, apoio incondicional e uma eterna preocupação. Tão eterna quanto as tatuagens. Quem não sente-se preparado para o exercício da paternidade ou, quem deseja apenas transferir um amor represado, sem grandes responsabilidades, a adoção de um pet pode ser uma boa indicação ou mesmo uma boa etapa.
E já que chegamos até este ponto, tenha cuidado! Não saia por aí a ler as tatuagens das pessoas, especialmente aquelas que escrevem os nomes dos filhos. São homenagens e que em nada dizem-nos respeito. Por falar em respeito (outra vez), uma situação como esta que vivi em Coimbra, bem serve para mostrar-nos que é preciso olhar mais para dentro do que para os outros. A nós, não interessa saber por que razão o Gleiderson não se chama Gabriel. Por trás da escolha, há um universo de situações que só a lente do preconceito é capaz de cegar. Mesmo quando ele está dentro de nós.