Em 1997, o Prof. Carneiro da Frada publicava a obra Uma «Terceira Via» no Direito da Responsabilidade Civil?. Nela, discorria sobre um problema, e consequente solução, que surgia no campo da responsabilidade civil: a existência de institutos, “lugares”, híbridos no nosso sistema jurídico, onde não se poderia aplicar, por razões de justiça material, a totalidade do regime da responsabilidade contratual (decorrente, por exemplo, da violação de um contrato), nem a totalidade do regime da responsabilidade extracontratual (decorrente, por exemplo, de acidentes de viação ou de danos em propriedade alheia). Esta escolha pela terceira via, tinha como base a eliminação ou, pelo menos, o afastamento de elementos de cariz puramente formal e a valorização da realidade material subjacente. O Prof. Menezes Cordeiro, já em 1983, na sua dissertação de doutoramento Da Boa Fé no Direito Civil, apontava para a materialidade subjacente como motor do pensamento jurídico posterior. Estes conceitos da ciência jurídica, penso, podem ter alguma utilidade no atual panorama político nacional.
Digo isto, pois a categorização tem sido usada como arma de arremesso no discurso político sem subsequente densificação. A rotulagem de “esquerda” ou “direita”, num plano estático faria algum sentido. Ora, o plano sociopolítico é fluído, alterado a qualquer momento. Esta categorização traz consigo uma corrente de metal presa a uma esfera de betão. Não raras vezes, ao conhecermos alguém, julgamos, simplesmente por um argumento ou, pior, pela aparência, a sua ideologia política. É uma postura limitadora, que limita o conhecido — pelo menos no plano mental do conhecedor — e o conhecedor — que se fica pela aparência. Tudo isto se acompanha com um movimento claquista, digno de quarta divisão, só faltando mesmo os bombos. O processo político aparenta depender disto: escolha de posição (esquerda ou direita), assunção de posição e tomada de decisão. Sugiro, contudo, uma nova forma de fazer política, uma terceira via, em oposição à esquerda e à direita. Nada disto é novo, apenas revisitado e amplamente resumido.
Se a decisão é o final do caminho político (ignorando a execução, que, já sabemos, demora o seu tempo), então, invertendo a ordem putativamente natural das coisas, comecemos por ela. A decisão terá de partir de uma avaliação casuística do problema. O diálogo é essencial, mas nunca pode ser o entrave à tomada de decisão; lembro, esta vem para resolver um problema e a sua delação pode agravar ou perpetuar o mesmo. A terceira via é um exercício de despida de roupa política. Quem é o meu interlocutor na tentativa de resolução deste problema? Só releva se, como eu, também quiser resolver o problema.
Isto aparenta ser extremamente simples. Não o é. Envolve discussões extremamente técnicas, procedimentos legais morosos, nomeadamente na contratação pública, e, principalmente, parece-me, um esquecimento ou assunção de culpas passadas associadas ao peso partidário levado às costas. Será melhor recomeçar, dar um reset democrático, sob pena da democracia se transformar, ela mesmo, numa ditadura encapuzada.
A terceira via será uma alternativa real se partir, desde já, para a resolução dos problemas de pequena dimensão no país — os problemas autárquicos. Só a partir daí, do pequeno para o grande, poderemos cabalmente dizer que somos democratas, que identificamos, mas que resolvemos problemas. Qualquer um pode identificar — fazer algo sobre isso é mais difícil. Dúvidas, contudo, não existam — os partidos com representação parlamentar, tradicionais ou novos, não têm interesse nisso. São eles quem mais beneficia da ataraxia democrática.