Opinião: Jorge Simões | Sines no mapa, Covilhã na sombra: a coesão territorial que falta cumprir
Por Jornal Fórum
Publicado em 27/11/2025 11:47 • Atualizado 27/11/2025 12:21
Opinião

Portugal voltou ao radar mundial com o anúncio de um investimento de 10 mil milhões de dólares em Sines, liderado pela Microsoft e por grandes parceiros privados internacionais. Fala-se na instalação de 12 600 GPUs de última geração e na criação de um dos maiores hubs de inteligência artificial da Europa, transformando Sines num mega-campus de data centers e infraestruturas digitais. 

Ninguém discute a importância estratégica de Sines, com porto de mar, cabos submarinos e energia verde. A questão é outra: que coesão territorial é esta que continua a concentrar quase tudo no litoral, deixando o Interior a aplaudir de longe? 

Coesão territorial não é repetir “mais do mesmo” onde já está tudo. É olhar para o mapa inteiro, incluir o Interior na estratégia nacional para a transição digital e para a inteligência artificial, fazer escolhas deliberadas a favor das regiões de baixa densidade que lutam contra o declínio demográfico. Em muitos países nórdicos, o Estado orienta grandes projetos justamente para os territórios que precisam de massa crítica e futuro. 

Neste contexto, impõe-se uma pergunta simples e incómoda: por que razão a Covilhã, que já é um pólo nacional de data centers, não está no centro desta estratégia? 

Covilhã já fez o caminho difícil 

Em 2013, a então Portugal Telecom inaugurou na Covilhã um dos maiores data centers do mundo: 75 500 m² de área, capacidade para mais de 50 000 servidores, pensados para crescer até quatro blocos técnicos e um bloco de suporte. 

A escolha da Covilhã não foi acaso. Entre 26 localidades analisadas, o concelho foi selecionado com base em critérios claros: baixo risco de fenómenos naturais, temperatura e humidade favoráveis, baixo impacte ambiental, aproveitamento de recursos naturais, ligação a fibra óptica de alta capacidade e acesso a energia renovável. 

Graças à altitude e ao clima da Serra da Estrela, o data center recorre massivamente a free cooling e atinge níveis de eficiência energética que muitos projetos agora anunciados ambicionam. Está alimentado a 100% por fontes renováveis e certificado Tier III pelo Uptime Institute, garantindo redundância, manutenção sem paragens e níveis de disponibilidade próximos dos 100%. 

Traduzido em linguagem política: a Covilhã já tem hoje o que o país diz querer para amanhã – um data center verde, eficiente, competitivo em custos, com capacidade física para dezenas de milhares de servidores adicionais. 

Ao mesmo tempo, o projeto inicial ficou aquém: os quatro blocos técnicos não foram todos construídos, o centro de inovação não avançou como prometido e a própria Altice chegou a ponderar a venda do data center por cerca de 200 milhões de euros, num contexto de desalavancagem financeira. 

Ou seja: temos uma infraestrutura de nível mundial, subaproveitada, num território do Interior que pede para ser parte da solução nacional. 

Coesão territorial: ligar Sines à Covilhã 

Hoje, quando o Governo e a Comissão Europeia anunciam que Portugal quer ser “hub europeu de dados e IA”, a pergunta volta a colocar-se: faz sentido ignorar um data center verde, escalável e subaproveitado na Covilhã, num concelho de baixa densidade que precisa de futuro? Coesão territorial não é um parágrafo em comunicados: é decidir que parte destes investimentos estratégicos deve ser localizada no Interior, onde a tecnologia pode ser motor de reindustrialização e de fixação de população. 

Enquanto a nível nacional se proclama que “Portugal quer liderar a próxima vaga de IA”, na Covilhã a escolha é outra: ser apenas espectadora, aplaudindo de longe os anúncios em Sines, ou exigir que a coesão territorial seja mais do que uma palavra repetida em discursos? 

O papel da Câmara Municipal: comentar ou influenciar? 

É aqui que a questão deixa de ser apenas técnica e passa a ser claramente política. Em Sines somam-se anúncios de milhares de milhões em novos data centers e inteligência artificial; na Covilhã existe uma infraestrutura que poderia acolher parte dessa capacidade e tornar-se motor real de coesão territorial. 

O Governo sabe que esta infraestrutura existe e que ela ajudaria a promover o Interior e a corrigir assimetrias. Não pode fingir que o mapa acaba no litoral. Mas a Câmara Municipal da Covilhã também não se pode limitar a comentar decisões tomadas longe daqui: tem o dever de as influenciar, criar oportunidades, disputar recursos e exigir respeito pelos compromissos assumidos com o território. 

Por isso, na sessão pública de 21 de novembro de 2025, coloquei ao Sr. Presidente três perguntas diretas: 

- Que diligências concretas fez, ou já iniciou, junto do Governo e das entidades competentes para que uma parte destes novos investimentos venha para a Covilhã; 

- Se houve contactos formais com a AICEP, com os Ministérios da Economia, da Coesão Territorial e da Transição Digital, com a Microsoft, a NVIDIA ou a Altice; 

- E que plano existe – com calendário, metas e objetivos – para que a Covilhã deixe de ser espectadora e passe a ser protagonista nesta estratégia nacional. 

Recordei também um erro do passado recente: durante anos, a anterior Câmara preferiu gastar energia a lamentar a perda do aeródromo em vez de confrontar a Altice com os incumprimentos do acordo e procurar uma solução que honrasse aquilo que o Município sempre cumpriu. A Covilhã fez a sua parte; a PT/Altice ficou aquém das obrigações assumidas. 

Essa passividade não pode repetir-se num novo ciclo político. 

Quando se trata da Covilhã, não há governo e oposição 

O desafio que deixo é claro: está a Câmara Municipal da Covilhã disponível para assumir uma agenda ativa na defesa e expansão do data center, exigindo que o concelho seja incluído na estratégia nacional de IA e de data centers? 

Da nossa parte, enquanto oposição, a posição é inequívoca: sabemos quais são os caminhos institucionais a percorrer e disponibilizamo-nos para acompanhar a Câmara nas diligências necessárias — em Lisboa, nos Ministérios, na AICEP, junto da Altice ou de novos investidores. 

Quando está em causa o interesse estratégico do concelho, não há governo e oposição: há Covilhã. 

Se queremos levar a sério a palavra coesão, o Interior não pode continuar a ser convidado de honra nas cerimónias e ausente nos investimentos. Ligar Sines à Covilhã – e a outros pólos do Interior – numa verdadeira rede de data centers verdes e eficientes seria uma escolha lógica, justa para o país. 

A Covilhã já provou que sabe fazer a sua parte. Agora, é tempo de exigir que o Governo, a Altice e a Câmara Municipal estejam à altura da responsabilidade que têm na defesa dos interesses do concelho. Coesão territorial não se proclama: concretiza-se. E começa por não desperdiçar aquilo que a Covilhã já construiu. 

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