Cândido Augusto Albuquerque Calheiros andava numa fona! Fazia os seus negócios na capital, dava nas vistas. O seu armazém da Travessa da Palha estava atafulhado dos melhores panos do mundo. Nascidos do casamento, quase perfeito, entre a lã produzida nos planaltos da Estrela, a força das águas das ribeiras da Goldra, Carpinteira e Água d´Alta e os melhores criadores de tecidos. Nesse tempo a “Manchester portuguesa” mandava, era ali o poder do mundo!
Antes de regressar à Cova da Beira, foi procurado pelo senhor ministro. S. Ex.ª desejava saber se a Covilhã estava preparada para receber El-Rei. Caso S. Majestade se resolvesse vir aqui, assistir à inauguração da linha férrea da Beira Baixa.
A oposição na câmara abesoirava, fazia “cara de nó cego”! Atreve-se, mesmo, a sugerir à presidência a compra dos novos produtos da loja de Firmino J. Vieira, à Rua de S. Gonçalo, com direito a dois mochos, quatro tocheiros e um altar bordado de câmara ardente. Para oferecer a essa gentalha que empobrece o país, neles incluídos os ingleses!
Embora reconheça a importância da real visita, lança a sua farpazinha! Para S. Majestade subir da estação ao pelourinho só de burrinho ou em balão! O governo ainda não tinha mandado construir a estradinha, que vai da Cruz da Rata até à estação! Aproveita para relembrar a urgência na arborização da serra, em benefício da produção. Uma roda hidráulica não nos come nada, enquanto se gastam quatrocentos mil réis em lenha, à vontadinha, por mês na criação do vapor.
Azucrinam os ouvidos sensíveis de S. Excelência, futuro conde do Refúgio e, lá mais para a frente, conde da Covilhã. Que o município luta com dificuldades para fazer frente aos seus pesados encargos e para resolver a questão momentosa do saneamento da cidade, onde uma epidemia de tifo ceifa vidas e inutiliza para o trabalho muitos braços.
O vereador António da Cruz, que tinha a “alma lavada como toalha de altar”, muito eufórico, é de parecer que a câmara vote dois contos e quinhentos para as festas. Era mesquinho e impróprio duma terra importante, como a Covilhã, fazer menos que faria a aldeia de Paio Pires! Bate ruidosamente com a “Monografia de Castelo Branco”, do António Roxo, na ampla mesa da vereação, sopra na manápula dorida. Foi uma risota por parte dos ilustres colegas da oposição.
Na cadeia ao lado a azáfama era igual. Os manos João e António Chocha, que em tempos tentaram assassinar a pobre da mãe, travam-se de razões. Gladiavam-se com as “irmãs” (navalhas), faziam um “barulho de ferros castelhanos”, mais desafinados que “bando de gaios-mouriscos” ! O carcereiro João Fino, conhecido por “Galaró” assobiava para o lado, fazia-se despercebido. A Justiça agradecia muito, arquivava o processo de “uma penada”. Mas “erva ruim não morre”! Ocupam o cirurgião e a Saúde toda a “Santa Noite”, dão trabalho ao juiz Joaquim Gaspar da Cruz que os degreda para as ilhas de Cabo Verde. Que apodreçam por lá!
O presidente Calheiros, “mais honrado que juiz de paz” e que apajeava os interesses da região como ninguém, pede calma aos eufóricos. Declara solenemente que vai aliviar o município do encargo de hospedar o sr. D. Carlos. Recebe-o no magnífico palacete ao Refúgio, construído por José Mendes Veiga (filho) nos anos trinta. Nas ricas terras adquiridas ao capitão Joaquim António Maciel. A este, nem a Nossa Senhora do Refúgio valeu. Foi encarcerado, por ordem de D. Miguel, na Torre de S. Julião da Barra!
A acalorada sessão fecha melhor que “burra de avarento”. Assim é que é falar! Ruminam os da oposição. Fica aprovada a verba de dois contos de reis para os festejos. Mas só, se o sr. Ministro das Obras Públicas, que era capaz de “negar uma missa às almas”, se comprometer a mandar construir a estrada da estação à Covilhã!