Por essência, o ser humano é talvez a única das criações divinas que desponta da Natureza. Desponta e desaponta. Gaba-se por sua inteligência e peca por fazer dela razão de desordem. Há homens que são verdadeiras engrenagens de marcha-atrás. Enquanto a Natureza cria, o humano destrói, muitas vezes sob alegação de agir «em nome do progresso». É por esta razão que os conceitos de belo e feio não passam de convenções humanas. Duvido que exista, em toda a Natureza, algum outro ser capaz de ter esse discernimento inviesado. Só os homens têm essa capacidade de classificar as coisas desta forma. O que posso dizer, sem querer concluir o texto já nas primeiras linhas, é que entre o belo e o feio Deus escolheu a beleza.
Mas afinal, o que é «belo»? Ora, o belo é qualquer coisa que agrada-nos os sentidos. Os cinco, ou quiçá, o nosso sexto sentido, porque até mesmo espiritualmente podemos estar belos ou não, naquela permanente dualidade entre céu e inferno. Simples assim. Aristóteles, em seu tempo, dizia que “o belo era o esplendor da ordem”. Tudo no seu devido lugar. Mário Quintana, poeta brasileiro, dizia que era inútil perder tempo com conceitos e normas, porque “tudo eram formas e não degraus do ser”. Talvez por isso costumamos associar o belo ao que vemos. Mas sabemos, que um bom cheiro de café, um piano tocando ao fundo e o toque subtil de uma criança, são bons exemplos do que é belo. Cá entre nós, para contragosto de muitos que me leem, tenho de confessar que sinto a beleza até no cheiro do estrume de vaca. Simplesmente por saber que estou perto do campo, onde os barulhos da cidade não desordenam meus sentidos.
E a feiura? O conceito de feio aparenta ser mais amplo, não? Um ferimento, um acidente de viação e tantas outras coisas inomináveis, são exemplos do que classificamos como feio. É como definiu Aristóteles. O que foge da ordem ou da forma - como disse Mário Quintana - atribuímos o valor de feio. Mas será que existe tempo feio? Um raio tem sua beleza, mas como a Natureza é sábia, Deus nos dá muito mais dias bons do que tormentas. Feliz de quem consegue, nas destemperanças da Natureza, reconhecer sua força e beleza. Aí está. Uma trovoada pode não ser bela, mas há beleza quando a vemos de fora e temos a capacidade de separar a ação da reação.
A beleza é a estética da Natureza. É, inclusive, um ramo da filosofia. Um sentido mais amplo daquilo que os olhos veem. A beleza é a harmonia dos nossos sentidos, o que permite-nos reconhecê-la até mesmo agora, ou na hora da nossa morte, como numa Ave Maria. Porque a beleza é assim, essa capacidade de estabelecermos uma sintonia com o Universo. Ela está presente no sorriso de um desconhecido com quem cruzamos olhares na rua, está no bocejar de um cão ou no choro de um bebé a manifestar sua primitiva forma de comunicação. A beleza está na trivialidade, mas só consegue vê-la quem acredita que a calma e a serenidade (mansidão) devem fazer parte de cada segundo do nosso dia. É por isso que, entre o belo e o feio, Deus criou a beleza, para que O sintamos, nos mínimos detalhes e, especialmente, para que tenhamos ordem e não percamos tempo em viver.