Opinião: Miguel M. Riscado | Prioridades
Por Jornal Fórum
Publicado em 06/11/2025 10:34
Opinião

Não pode ser normal que um clube nacional — que por mero acaso é o meu — ocupe, em simultâneo, a programação de quatro canais (pasmem-se) de notícias. Bem vistas as coisas, se escrevesse há uns anos, seriam três canais de notícias e um canal sensacionalista. Hoje, são três sensacionalistas e um canal de notícias…dou uma benesse à RTP. Esta obsessão excessiva por um tema, no caso as eleições do Sport Lisboa e Benfica, não são nenhum acaso. Fazem parte de uma estratégia que nada tem de cabalista nem de secreto. Consubstanciam a transformação da informação em mais um ramo do entretenimento. Ora vejamos esta breve evolução histórica. 

No final dos anos 30, já Orson Welles havia experienciado a revolta da multidão ao, num especial de Halloween, narrar A Guerra dos Mundos, onde os marcianos chegavam à Terra, numa má interpretação do teor difundido na rádio. Esta má interpretação, mais natural e genuína, da multidão, demonstrou o poder dos meios de comunicação audiovisuais, que se distinguiam da imprensa escrita num fator determinante: o teor imediato do seu conteúdo. Muito mais tarde, na segunda metade do século XX, Rupert Murdoch, começando na Austrália, conquistando o Reino Unido e aterrando na América, percebeu na plenitude esse fator. Se o sensacionalismo passou a ser uma marca de venda fácil da imprensa escrita — com a «imprensa cor-de-rosa» — a necessidade constante de atualização, fruto do desejo humano de alcançar o conhecimento pleno, levou à colocação da cereja no topo do bolo: a polarização das massas com a criação de um canal de notícias que espelhasse ideias vincadas, radicais e onde o fator de entretenimento fosse ponderado dentro da deontologia jornalística. Surge, então, em 1996, a Fox News 

Marcada pelo populismo político, pela tomada de posição dos próprios pivots e pelo sensacionalismo, de certa forma, bacoco, marcou, sem sombra de dúvidas, o panorama político americano (e, por consequência, mundial) da viragem do século e das primeiras décadas do novo milénio. Com a mão do CEO Roger Ailes, a linha entre entretenimento e informação passou de ténue a quase inexistente. São provas disso a obra The Fox Effect, de David Brock e Ari Rabin-Havt, ou, de um ponto de vista mais académico, o artigo “The Fox News Effect: Media Bias and Voting”, de Stefano della Vigna e Ethan Kaplan, publicado no Quarterly Journal of Economics 

Em Portugal, este tsumani demorou a fazer-se sentir — como aliás qualquer moda. Mas acabou por chegar. Veio com uma máscara e capa vermelha, tal super-herói, e com um megafone gritanto: “ALERTA!”. O espaço de debate público, pautado, sem dúvida por alguma hipocrisia e presunção, foi abanado por figuras marginais e dantescas. Alegadamente, sem filtro e anti-sistema. Não é contudo verdade que seja esta a sua categorização. São figuras extremamente hábeis na arte da retórica, conhecendo muito bem o seu público-alvo. Muitas vezes financiados e alimentados pelo próprio sistema. Pois o sistema não são os partidos — o sistema é quem o financia e vive bem com ele. Vimos, depois, a entrada de capital milionário nas empresas de audiovisuais. Ninguém tem dúvida que este interesse súbito nada tem que ver com a salvaguarda do direito à informação de todos. Aliás, já não se trata disso. Não são mais canais de informação — são espetáculos de entretenimento com transmissões de horas. Prendem o telespectador — este sente-se dentro do acontecimento e cabalmente informado. Apesar da matéria (mastigada) apresentada ser apenas a ponta do iceberg. Não há lugar a contraditório, as entrevistas são sempre dos mesmos. Como pode alguém que é contra e, alegadamente, a maior vítima do estabelecido ser o mais entrevistado? A matemática não a bate certo…se é contra o sistema, o sistema não deveria querer dar qualquer visibilidade, mas, com surpresa, abre-lhe a porta constantemente.  

Termino com o grande conselho, que vai, agora, de geração em geração — não para baixo, mas para cima. Se nos foi dito para estarmos menos tempo ao computador ou ao telemóvel, que “antigamente é que era” a brincar na rua e sem as preocupações dos pais, sugiro à geração que tanto propagou isto que deixe a televisão e vá tomar nalguma relva. Seja este adágio universal e talvez consigamos comunicar e conhecer-nos uns aos outros, seja de que cultura formos, para ver se acaba este medo patológico de algo que não existe.  

 

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