Há muitos que ainda bebem café. De ponto em ponto vão em busca de alguém com quem conversar. Nas andanças da reforma ainda gastam com a sorte o pouco que ganham depois de anos de trabalho, de enfrentamento e de traumas. São os soldados, que mesmo a contragosto, eram obrigados a servir a pátria quando até a razão de lutar já não mais existia. Ficaram as lembranças e muita experiência dos tempos de Abril.
Do outro lado, outros tantos, jovens como os que outrora iam para a tropa. Sem experiência, carregam lembranças que não vão muito além do tempo em que estavam em casa, com os pais e os irmãos, quiçá o suficiente para colecionar alguns traumas. Estão doentes, acreditem! Doentes da alma. Ao mesmo tempo em que sofrem, são incompreendidos, ainda mais quando comparamos os tempos, dos avós e dos netos. Pelo nível de conforto que têm em suas vidas, reclamar passa por assumir padrões de ingratidão.
Entre estas duas gerações, uma marcada pela guerra e ditadura e a outra pela pós-modernidade e tecnologia, há outra, a dos pais. Esmagada entre o pós-guerra e as novas tecnologias, é uma geração que foi permitido sonhar, mas cujos sonhos não passaram daquilo que então se via na televisão. Há muita gente frustrada neste meio e sem nada entender. Gente que perdeu a esperança e que, por falta de orientação ou sentido de vida, opta por repetir os padrões do passado. Quando os filhos crescem, empurram-nos contra a vida, sem antes tê-los preparado para tal.
Dos filhos desta geração, emergem basicamente dois grupos: os guerreiros e os soldados. O primeiro, abarca jovens determinados, focados em fazer a vida acontecer. Destacam-se na faculdade, têm vocação, conquistam o tal emprego dos sonhos, muitas das vezes longe da família, no maravilhoso espaço Schengen, essa utopia que deu certo e tanto ajudou Portugal. Depois que «deram certo», voltam à casa em datas comemorativas. Ganham gosto pela vida e despedem-se de suas famílias, deixando a saudade em casa. Mas tem o outro grupo, o dos soldados.
Os soldados de hoje são todos aqueles estudantes que, a exemplo dos avós, partiam para «a tropa», sem esperança, por obrigação. Se naquele tempo era uma questão legal, uma imposição no servir à pátria, hoje é um fenómeno social. Jovens despreparados, inseguros e indecisos que partem para o eldorado cinzento do ensino nas universidades. Cinzento porque esses jovens não veem cor naquilo que fazem, como se suas vidas não tivessem sentido, propósito ou qualquer razão que o valha. Vão porque vão. Porque está na hora. Deixam suas casas e aventuram-se à procura de algo que nem sequer sabem bem o que é. Inocentes e despreparados.
Há um contingente enorme de jovens assim. Desassistidos, desamparados, que a exemplo dos bravos soldados da Ultramarina não era permitido chorar, sentir saudade de casa ou mesmo das pequenas experiências da família. Ao chegarem à Universidade deparam-se com as hostilidades da vida real, como se o local onde vão viver e estudar se parecesse com um campo de batalha, quando sabemos que não é. A estes são oferecidos cheques, atendimento psicológico e tudo mais para que se possam sentir acolhidos.
O sistema tenta atacar os efeitos, mas desconhece as causas. O problema não está aí. Está nas famílias, em suas casas, que ao mandarem seus filhos para estudar fora, o fazem como nos tempos da Guerra Colonial. Infelizmente, para muitos jovens, ter de ir para o ensino superior acaba por ser comparado a ir a uma guerra. Um conflito no qual o maior inimigo é a própria descoberta do flagelo familiar e a solidão pela escolha de um futuro que pouco combina com o coração.