Opinião: João de Jesus Nunes | O caminho das palavras:
testemunho de uma vida escrita
Por Jornal Fórum
Publicado em 16/07/2025 07:06 • Atualizado 16/07/2025 09:54
Opinião

Sempre gostei de escrever, influenciado pela vivência na antiga Biblioteca Municipal, junto ao Jardim, onde passei grande parte da minha meninice e adolescência. Era aí que o meu Pai trabalhava, com a responsabilidade de abrir e encerrar a biblioteca, atender os leitores procurando perceber o que pretendiam, numa época marcada por forte iliteracia –, entregar os livros e jornais solicitados, gerir o arquivo e desempenhar outras tarefas inerentes. Muitas vezes, substituía a primeira bibliotecária que conheci – a Drª. Maria José Borges, nos anos 50 do século passado. Mais tarde, surgiu a Drª. Maria Celeste de Moura. 

As novas tecnologias nem se sonhavam. O ensino universitário existia apenas em Lisboa, Porto, Coimbra e Évora. Na Covilhã havia a Escola Industrial e Comercial Campos Melo, com cursos vocacionados para a indústria local e para os serviços comerciais, e o Liceu, que só mais tarde passou a ser Nacional. Quem pretendia seguir o ensino superior precisava de ter os bolsos bem recheadas para se poder estudar fora. Existia ainda o Colégio Moderno, que permitia prosseguir os estudos até ao antigo 7º ano, enquanto o Liceu e a Escola Industrial apenas iam até ao 5º ano ou equivalente. 

O meu Pai, que fora anteriormente professor primário, ensinou-me a ler e escrever. Quando entrei para a Primária, no Asilo, fui diretamente para a 2ª classe. Terminei a 4ª classe (então o último grau obrigatório de escolaridade) e fiz o exame de admissão ao ensino secundário, na Escola Industrial, onde fui aprovado. Iniciei o Ciclo Preparatório e concluí o Curso Geral do Comércio e o Exame de Aptidão Profissional.  

Os meus pais tiveram uma família numerosa, como era comum à época. As dificuldades económicas eram enormes. Desconhecíamos o que era ter férias e as algibeiras andavam sempre vazias – nem se sonhava com uma semanada. Incuti no meu Pai a ideia de arranjar um emprego e estudar à noite. Assim sucedeu. Fiz um exame de transição e tive de estudar, sozinho e sob o calor do verão, o programa completo de História Geral e Pátria do 2.º ano, além de Francês – tudo num mês e meio. Tudo isto para não perder um ano,que o curso noturno durava mais tempo. 

Os jovens de hoje não imaginam estas dificuldades. Como se costuma dizer, comi o pão que o diabo amassou. 

A minha paixão pela escrita nasceu do ensino do meu Pai, da vivência na biblioteca e da atenção que dedicava aos estudantes que por passavam e que hoje, com cursos superiores e já aposentados, recordo com estima. Também ali via figuras notáveis que conversavam com meu Pai, por quem tinham grande consideração. Ele foi professor do falecido Cónego José de Almeida Geraldes, antigo diretor do Notícias da Covilhã (NC), e do poeta, escritor e professor universitário Prof. Dr. Arnaldo Saraiva, além de dois padres jesuítas Tive professores de excelência a Português, que me ajudaram a desenvolver o gosto e a habilidade pela escrita – as minhas redações costumavam ter notas elevadas. 

 Mesmo nas poucas horas vagas do serviço na biblioteca, o meu Pai lecionava cursos de Educação de Adultos e preparava alunos para os exames de admissão ao secundário. Foi-lhe criado, pela primeira vez, um curso de adultos na Cadeia Comarcã da Covilhã, onde foi o primeiro professor a lecionar. 

Com 17 anos, era administrativo na Câmara Municipal da Covilhã. Concorri mais tarde a outro cargo superior, tirei a nota mais alta e pouco depois chegou o Serviço Militar Obrigatório. Fui para Tavira, para o Curso de Sargentos Milicianos, acompanhado por colegas da Escola Industrial. Eram três que, infelizmente, já faleceram. Depois segui para Leiria, (RAL 4), onde fui colocado e formei outros soldados em datilografia – não havia computadores nem telemóveis.  

A distância da Covilhã, da família e do namoro levou-me a pedir transferência para mais perto de casa. 

Assim, rumei à Guarda (RI 12), “sem despesas para a Fazenda Nacional”, onde encontrei muitos covilhanenses, como o Eduardo Prata, o Nuno Rato, do Teixoso, o Bicho Nogueira e o José Marques Abrantes entre outros. Também se encontrava o António José Fazenda, já falecido, que tal como o Eduardo Prata, jogavam no Sporting Clube da Covilhã. Foi também aqui que escrevi o meu primeiro artigo fora da Covilhã, no boletim daquela unidade militar Fronteiros da Beira. 

Após 42 meses de vida militar regressei à Câmara Municipal. Mas, escrevendo para o Notícias da Covilhã, algumas críticas que fiz obrigaram-me a ser cauteloso, temendo a PIDE. Fui trabalhar para uma empresa no Soito, freguesia do concelho do Sabugal, e depois fui convidado a chefiar a área administrativa e comercial da Companhia Europeia de Seguros, nos distritos de Castelo Branco e Guarda. Mais tarde, tornei-me empresário no setor segurador, representando a Liberty Seguros e outras Seguradoras.  

A escrita, porém, nunca me abandonou. Continuei a publicar em vários jornais regionais e nacionais pro bono. Até hoje já publiquei 890 crónicas. No âmbito da APAE Campos Melo - Associação de Antigos Professores, Alunos e Empregados da Escola Campos Melo – que ajudei a fundar – consegui que fosse promovida a homenagem aos antigos atletas, treinadores e dirigentes do Sporting Clube da Covilhã (SCC) que jogaram na Primeira Divisão. 

Convidei a imprensa nacional, com destaque para o Record e A Bola, e entidades e instituições oficiais do desporto e, apesar das dificuldades financeiras da associação que representava como um dos dirigentes, o evento teve um grande sucesso. Estávamos no dia 28 de setembro de 1991. Assumi o compromisso de escrever o primeiro livro sobre a história do SCC, publicado em 1992. 

A imprensa nacional deu destaque ao evento e aos livros que se seguiram. O Jornal O Jogo anunciou um dos meus livros, e o jornal espanhol El Adelanto, de 14 de agosto de 1993, também se referiu a outra obra minha. 

Na altura, a ausência de tecnologias dificultava muito: escrevia à máquina e as tipografias ainda não estavam evoluídas. A cor das páginas implicava várias chapas. Hoje, tudo é mais simples e acessível.  

Seguiram-se várias publicações, umas por iniciativa própria em datas comemorativas, outras a pedido de associações, coletividades e instituições. Fazia tudo pro bono. Foram centenas de horas de trabalho, conciliadas com a vida profissional, muitas vezes com grande desgaste mental, mas nunca desisti. 

Depois dos três livros sobre o SCC (mais tarde surgiu um quarto), publiquei a história dos Bombeiros Voluntários da Covilhã, em dois volumes, a convite da Direção, onde eu era Vice-Presidente do Conselho Fiscal. 

Mas o maior desafio foi aceitar o convite – feito apenas com um aperto de mão, no Restaurante Sangrinhal – para escrever a História dos Seguros em Portugal. Depois de alguma resistência, aceitei e produzi O Documento Antigo – Uma Outra Forma de Ver os Seguros, obra inédita que combina narrativa histórica, romance e antologia documental. Está presente em mais de 150 bibliotecas municipais, bem como em universidades e outras instituições. 

Em 2022 publiquei os meus dois últimos livros: Da Montanha ao Vale, e Recordar é Vivereste baseado em textos iniciados a 2 de julho de 1967, já 56 anos. 

Dos 12 livros publicados, o primeiro foi apresentado há 33 anos (1992). O meu primeiro artigo surgiu há 61 (1964). Escrevi em mais de 30 periódicos regionais e nacionais. 

Sinto orgulho em saber que que a minha ação cultural e escrita se encontram presentes em várias universidades e em mais de 150 bibliotecas municipais do país. 

João de Jesus Nunes 



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