Hoje vamos começar com algo que, de certa forma, dá um nó em nosso raciocínio. Que tal essa frase: «a única certeza que temos na vida é também a única que é incerta». Foi assim que conversamos na semana passada quando estive no programa «Dar Voz à Cultura», veiculado pela Rádio Fórum da Covilhã. Está bem, sem mistérios, afinal o tema já está no título: a morte. Ela sim, é a única certeza que temos na vida e, de tão certa que é, é incerta sobre quando irá acontecer.
Desde a tenra idade convivemos com esse fenómeno da morte. A esmagadora maioria das pessoas (privilegiadas) têm a primeira experiência quando os avós partem para o infinito da existência. Mas há quem vivencie perdas mais incisivas. A mãe, um filho, o companheiro, o pai ou os irmãos. Aqui não importa o género ou parentesco. Às crianças é como se apenas aos avós fosse permitido morrer. Como dizia Aristóteles, achamos feio aquilo que foge da «ordem». Não que a perda dos avós não seja sofrida, mas pela ordem natural das coisas, até nisso os avós servem-nos de exemplo. São eles a provar-nos que a vida encarnada uma hora chega ao fim.
Aqui, abro uma pequena e boa janela para comentar sobre o livro infantil da escalabitana (Santarém) Joana Brandão nominado «A avó está aqui». Lançado agora em novembro e com apresentação prevista para Covilhã no início de dezembro, o livro (que conta com ilustrações de Ana Costa) busca levar aos miúdos o tema da morte a partir da experiência da autora. Ela relata ter notado que após a perda da mãe, à medida que o tempo passava, os miúdos iam esquecendo algumas memórias da avó. A autora costuma dizer que “a avó está em muitos lugares, cheiros, expressões, sabores e lições que deixam saudades”. É sobretudo “uma obra sobre a saudade e a tentativa de transformar a dor da perda em amor”, refere Joana Brandão.
Agora, de volta ao texto, digo que por falta de atitudes como a deste livro, basta que a gente tenha um primeiro contato com a finitude do corpo para que surjam milhares de interpretações acerca deste inexorável fenómeno. Nem mesmo diante de terríveis doenças é possível dizer quando será a hora derradeira, por mais que as estatísticas e a curiosidade assumam esse mórbido papel. A incerteza sobre quando vamos «morrer» fisicamente é um dos grandes baratos da vida. Talvez por esta razão, fantasiamos, imaginamos, projetamos e somos influenciados por todos a criar algo que supra essa sensação de incerteza. A vida é uma constante busca por respostas. Se pudéssemos aproveitar as perguntas, talvez pudéssemos ser mais felizes, não?
É diante dessa dicotomia entre a certeza da existência e a incerteza da ocorrência que acabamos por «inventar a morte». Não ela propriamente, mas o seu conceito. É mesmo assim. Cada um vê a finitude da vida de uma maneira. Em muito, somos influenciados pelo meio social. Há o caráter religioso, as questões de céu e inferno, os confrontos entre céticos e espiritualistas, além de uma infinidade de interpretações sobre o mesmo e exclusivo tema. Por tudo isso é que caminhamos nesta senda para inventar a morte. E dessa invenção, infelizmente, há muitos que deixam-se levar pela maioria e acabam por formatar sua ideia a partir do que os outros disseram e vivenciaram. Mas será que isso é realmente saudável?
Sou daqueles que não vê a morte como uma coisa ruim. Se a vida material tem tanta desgraça ao redor, imagino que a vida espiritual (aquela que continua depois que o corpo falece) seja realmente redentora, desde que sejamos leves (menos densos). Embora (depois da morte do corpo) não sejamos mais «matéria» (apenas consciência), acredito que uma alma «leve» sobe enquanto a densa desce. Como na Divina Comédia de Dante Alighieri. Por isso, afirmo: a morte é um conceito que inventa-se, mas se o leitor é um daqueles que assume o que os outros pensam, sem questionar, sem racionalizar, então é capaz de ver a morte como algo negativo, triste e assombroso. E que tal inventar o seu próprio conceito? Não será este um caminho para a vida eterna?