Quando um programa anunciado para revitalizar a Serra da Estrela surge no Orçamento do Estado para 2026 com financiamento “zero”, não estamos perante um detalhe contabilístico: estamos perante um sinal político grave para o Interior. Foi isso que os meios regionais noticiaram — e foi também essa a leitura pública do Presidente da Câmara da Covilhã, ao falar em “desorçamentação completa”.
A crítica ao Governo pode ser legítima. Um território que sofreu incêndios, enxurradas e perdas económicas não pode viver de anúncios e títulos. A passagem para “0” em 2026 só pode gerar indignação e desconfiança.
Mas há uma verdade que a política responsável não pode contornar: uma obra pública não começa no Orçamento — começa no projeto. A sequência é conhecida por quem governa e por quem trabalha no território: estudos e projeto de execução; pareceres e licenciamentos (incluindo ambiente); maturidade administrativa e domínio do solo; peças concursais; concurso; e só depois obra.
Sem estes passos, mesmo que existisse verba, a intervenção não avançava — porque não se lança uma empreitada sem condições técnicas e legais mínimas.
É por isso que a crítica ao Governo não pode servir de cortina para esconder o essencial: o Município tem o dever de provar que a sua parte está feita. Se a Barragem das Cortes é invocada como exemplo emblemático (com referência pública a 30 M€ no âmbito do plano), então o concelho tem direito a respostas simples e verificáveis: existe projeto final aprovado e pronto a concurso? Estão reunidos os pareceres e autorizações necessários? O processo está tecnicamente “maduro”, ou ainda depende de passos críticos?
Esta exigência não é retórica. As próprias notícias regionais deixam perceber um problema recorrente: quando o dinheiro é pouco, tardio ou mal enquadrado, não executa. E quando não há modelo claro e processos preparados, a verba tanto pode existir no papel como desaparecer na prática.
Há diligências em curso — e isso deve ser registado. Foi noticiado que seis autarcas do Parque Natural (incluindo a Covilhã) reuniram com o Secretário de Estado, criticaram a ausência de verbas específicas no OE 2026 e defenderam uma solução para não perder o pouco que existia, procurando garantir que o dinheiro chega ao território. Esse caminho institucional é importante.
Mas o mesmo noticiário regional revela uma realidade inquietante: “neste momento apenas está aberto um aviso” para a CIM Beiras e Serra da Estrela estruturar assistência técnica e equipa. Ou seja, ainda se discute “máquina”, quando o território precisa de execução.
É aqui que entra a pergunta que não pode ser evitada: onde está — e onde deve estar — a liderança intermunicipal? A lei atribui às CIM um papel claro na estratégia de desenvolvimento e na coesão territorial, incluindo ordenamento, ambiente e proteção civil. A CIM BSE não pode ser apenas uma entidade de gestão: deve ser a voz coletiva dos municípios quando o Estado falha — e o “centro de gravidade” que organiza, pressiona, calendariza e presta contas quando existem programas estruturantes para a região.
E, no plano local, impõe-se coerência. Quem governa não pode limitar-se a dizer “faltam verbas”. Tem de dizer, com a mesma firmeza: “temos projeto pronto”, “temos pareceres reunidos”, “temos concurso preparado”, “temos cronograma”.
Porque dinheiro sem projeto é miragem, e projeto sem transparência é propaganda. Por isso, a posição que se impõe é pragmática e exigente:
Ao Governo: clarificar por escrito onde e como será garantido financiamento em 2026, com calendário, avisos, fontes e responsabilidades.
À CIM BSE: assumir posição conjunta dos municípios, com agenda pública, metas e exigências mínimas — coesão territorial não se faz em comunicados avulsos.
Ao Município da Covilhã: publicar o estado técnico-administrativo dos projetos invocados (incluindo a Barragem das Cortes), com lista de pareceres, aprovações, peças e prazos — porque quem exige ao Estado tem de cumprir, primeiro, o dever de preparar e liderar o seu território.
A Barragem das Cortes não se faz com manchetes nem com lamentos: faz-se com projeto pronto, pareceres reunidos e concurso lançado. A ordem é simples e inultrapassável: projeto → concurso → obra.
E aqui fica o teste que não admite evasivas: se a barragem está madura para avançar, publique-se já o projeto de execução final, os pareceres e o calendário do concurso. Se não está, o concelho deve saber o que falta, quem decide e em que prazo. A Serra precisa de obra. A Covilhã precisa de verdade.
Covilhã, 13 de dezembro de 2025
Jorge Simões Vereador (PSD) — Câmara Municipal da Covilhã