Opinião: Marcos Leite | O livro de reclamações
Por Jornal Fórum
Publicado em 04/12/2025 08:00
Opinião

Nós, portugueses, nascidos cá ou acolá, temos muito do que nos orgulhar. Orgulhar e envergonhar, não necessariamente na mesma proporção. Mas vamos ao orgulho, no sentido mais belo e ufanista da palavra. 

Portugal, o mais antigo de todos os reinos, é a terra dos descobrimentos. Os portugueses, de certa forma, parecem ter inventado o planeta em que vivemos. Provaram que a Terra é de facto redonda e que há vida para muito além do Tejo, de Sagres e do Minho. Um país que tem mais «aguatório» do que território. Detentor de façanhas históricas. Lugar de gente brava, que desbrava, mas que também destrói. Tanto é que vê na energia solar uma forma degradante de acabar com a própria natureza, por mais que seja «limpa». Um paradoxo.

Mas Portugal também é a terra do fado. Porque só a guitarra portuguesa produz melodias que mais parecem melancolias. Só aqui se ouve o que se canta. Quem passa por ilhas como Cabo Verde, depara-se com uma mistura musical que aproxima o fado ao samba brasileiro. Como se daqui para lá, por onde navegaram os desbravadores, até a música arrastasse tons que, à luz da distância, ganharam novos arranjos, originando maravilhas como as canções de Cesária Évora e Pixinguinha.

Na atualidade, Portugal é também a terra do Ronaldo, que a contragosto de muitos, andou misturando-se com gente indevida. Será? Seja como for, há muitos e muitos inventos que podem ser atribuídos aos portugueses. Gago Coutinho, por exemplo. Fez na aeronáutica uma façanha semelhante às de Fernão de Magalhães, Vasco da Gama, Pedro Álvares Cabral e tantos outros navegadores que, diga-se de passagem, foram os inventores dessa tal de imigração, tão contestada por ufanistas de ocasião.

De todos esses grandes feitos, há um mais atual, que sem dúvida é unanimidade entre os portugueses: o Livro de Reclamações. Não há polícias, sacerdotes, professores, escritores, simplesmente ninguém tão respeitado quanto o Livro de Reclamações. É uma verdadeira instituição. Uma invenção fora-de-série e que talvez só exista em Portugal. Até pode haver um livro desses na Alemanha, na Bélgica ou em qualquer outro país irmão, mas não deve ser tão onipresente como cá. Basta entrar em qualquer estabelecimento onde se «estabeleçam» relações humanas e lá está ele, logo à entrada, a dizer-nos em tons alvirrubros: “este estabelecimento dispõe de livro de reclamações”.

Afinal, por que razão damos tanto valor a este livro? Seria por medo ou respeito, ou será que ele funciona como um guardião da boa vontade, da educação e do bem servir? Muitas vezes fico a perguntar-me, o que será que as pessoas nele registam? Que o atendente de mesa não fala português? E neste caso, faz-se o registo em que idioma? Seja como for, quando algo parece não correr bem, quando o azedume lusitano extrapola qualquer barreira, lá está! O cliente, o consumidor, o inconformado. Basta proferir os termos «tens livro de reclamações?» e tudo parece caminhar de volta à senda do bom senso.

Impossível não pensar: quem será que está por detrás desse livro? Quem será essa força nebulosa que o lê? Que régua ou medida dá parâmetros para avaliar determinada situação? Quem será esse «Dom Sebastião», oculto balaústre da justiça, capaz de discernir entre o certo e o errado, ao ponto de ser uma unanimidade, temida por todos aqueles que ousam desrespeitar as relações de consumo. Seja como for, seria bom se o livro pudesse ser colocado na Assembleia da República ou em qualquer órgão público. Em verdade, a vida seria bem mais fácil se nós, portugueses, falsos ou verdadeiros, fôssemos todos iguais ao respeitado português que define o que é certo e o que é errado.

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